Habeas Copus

Saiu o primeiro habeas corpus preventivo no Paraná para não fazer o teste do bafômetro. Habeas corpus, que do latim significa “que tenhas o teu corpo”, foi legalmente traduzido para “que tenhas o teu copo”. Mesmo assim, os boêmios não sentem falta da garantia constitucional. Mas, sim, do Habeas Copus, aquele que foi o melhor bar de Curitiba.

Conforme a Constituição Federal, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo. A decisão é do desembargador Arno Knoerr, em benefício do advogado André Souza Vale, com uma advertência: se o privilegiado cometer um acidente automobilístico, terá a obrigação de fazer o exame. Souza Vale, para não ser confundido com Nelson Gonçalvez (Boemia, aqui me tens de regresso), explicou que tomou (tim-tim!) a iniciativa não para voltar do boteco sossegado. Foi um alerta para a inconstitucionalidade da lei e a falta de razoabilidade e proporcionalidade. Quem bebe dois copos vai para a mesma cadeia daquele que bebe uma garrafa.

O mestre René Dotti, que costuma pedir a companhia de bons vinhos para depois flanar a pé pelas ruas de Paris, advertiu: “Uma pessoa pode ser condenada somente com os indícios. A verdade em um processo criminal não fica somente na dependência do acusado, senão ninguém seria culpado”.

À parte as opiniões sobre a lei seca, saúde e longa vida ao instrumento de defesa previsto no art. 5.º, inciso LXVIII, da Constituição Brasileira de 1988. Fora da lei durante a ditadura, dr. René Dotti sabe mais do que ninguém quantas vidas poderiam ter sido salvas, naqueles anos de chumbo, com um habeas corpus em punho. Se agora o mesmo habeas corpus pode proteger criminosos ao volante, esta é outra questão a ser analisada dentro da democracia.

Um brinde, pois, ao habeas corpus. E outro brinde ao Habeas Copus, que foi o melhor bar de Curitiba. Situado na Rua Dr. Muricy, na esquina com a Saldanha Marinho, o Habeas Copus foi criado pelo engenheiro Serginho Bittencourt e tinha sofisticado projeto do arquiteto Bruno de Franco. Rico empresário nas horas inevitáveis e poeta em tempo integral, Serginho manteve o Habeas Copus nos anos 80/90 para, antes de tudo, reunir os amigos poetas, músicos, boêmios e dar boas risadas. As risadas do Serginho varavam a noite e com ela varavam madrugadas todos os artistas forasteiros que se apresentavam em Curitiba. O Habeas Copus, além do jazz de primeiríssima linha, servia bebidas de primeiríssima linha com cardápio no mesmo padrão. Conforme a inspiração do feliz proprietário, daquelas concorridas mesas nasceram coletâneas de poesias e até um raro disco foi gravado no palco da casa: Optimum In Habeas Copus.

Por que fechou? “Desgaste dos materiais”, diria o engenheiro Bittencourt. “Não nasci para ficar atrás do balcão vigiando gerentes e garçons”, diria o poeta Serginho.

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Do passado ao presente, não podemos avaliar a lei seca no trânsito sem antes ouvir o abalizado parecer dos motoristas de táxi. Dia desses, entabulei conversa com um taxista, como de praxe:

– Então, mudou alguma coisa com a lei seca?

– Mudou: agora quem entra no meu táxi não fala mais de futebol, só se fala nessa lei seca.

Depois de um ligeiro relatório acerca do desagradável comportamento etílico dos novos clientes, o chofer me contou uma história. Dizia ele que um rapaz foi a uma festa de casamento no Santa Mônica Clube de Campo e, depois de encher os porões, foi parado numa blitz do bafômetro. Quando o embriagado já ia entrando no camburão, um acidente no final da fila de carros obrigou os policias a se retirarem para atender a ocorrência.

Sem nenhum soldado por perto, o desnorteado elemento embarcou no carro, fugiu da blitz e foi para casa dormir. Algumas horas depois, a mãe o acordou aos trancos, preocupada:

– Filho, tudo bem ontem no Santa Mônica?

– Tudo bem.

– Então o que faz uma viatura da polícia na nossa garagem?