Com exceção de Laurentino Gomes, cujos livros não saem da lista dos mais vendidos, nós outros escritores podemos nos gabar de que a gente vende pouco mas se diverte. De minha parte, não tenho queixas do Botecário, o meu dicionário internacional de boteco. “Pequeño pero cumplidor”, volta e meia “ouço alguém escrever” sobre este manual de balcão que, desde 2004, pouco vende mas não sai da boca do povo.

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Nessa semana, por exemplo, Sérgio da Costa Ramos, um dos melhores cronistas brasileiros, ocupou seu espaço diário no jornal Diário Catarinense para uma louvação com o título de “Botecário, gol de gole”. Modéstia à parte, transcrevo parte do texto que tanto me envaidece:

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    Parodiando aquele texto apócrifo, que um dia atribuíram ao bruxo Jorge Luis Borges, se eu pudesse viver novamente, correria mais riscos.
“Viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a mais lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.”

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A mensagem, “psicografada”, não era de Borges, mas de algum espírito aventureiro. Se a assinatura do autor dos contos-enigmas não foi “reconhecida”, os conselhos não eram de todo desprezíveis. Em resumo, o mensageiro quis dizer que devíamos levar a vida mais na flauta.

Eu mesmo me penitencio por ser, às vezes, alguém que, em nome de um “compromisso”, recusa o convite de um amigo para um papo de bar. Logo me arrependo. Qualquer compromisso pode ser adiado – menos um papo de botequim.

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Constato a verdade quando me deparo, no balcão do bar lá de casa, com o Botecário, livrinho produzido pela veia libo-histriônica do chargista e humanista curitibano, nascido em Nova Trento, Dante Mendonça. (…)

Mestre Aurélio dos bares, Dante Mendonça organizou o Botecário com a libertária intenção de propor a “minicarta” dos filósofos e dos pinguços. Já na orelha, na verdade uma “olheira”, assinada por um amigo do autor – Ernani Buchmann – o livrinho avisa:

– Há bares chiques e botecos chinfrins. E se você tiver que escolher entre um e outro, opte sempre pelo chinfrim. Grandes e minúsculos, antigos e modernos. Bares de toda ordem e também aqueles em que a ordem é nenhuma. Se reduzíssemos o Brasil a um bar, talvez o país fosse melhor – mais animado seria, com certeza.

O Botecário ensina a “pedir uma cerva bem gelada” em nada menos que 20 línguas e alguns dialetos – e até em línguas mortas, como o latim. A “saideira”, na língua de Ovídio, “sairia” assim:

– Nil amplius oro! (ou, “nada mais peço”…)

(Sérgio da Costa Ramos)

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Numa rápida consulta ao almoxarifado do bar Ao Distinto Cavalheiro, único local onde a segunda edição do Botecário ainda é encontrada, me informaram que eles ainda têm alguns exemplares à venda. Se continuarem saindo dez exemplares por ano, me dizem os Distintos, o estoque resiste uns bons dez anos.