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Quantas páginas de um dicionário de sinônimos e antônimos serão necessárias para identificar os curitibanos? Frios, gélidos, frígidos e empedernidos, alguns acusam. Outros nos lançam desaforos e nos vêem desanimados, secos e apáticos. Era só o que nos faltava: agora fomos identificados como uma gente de glúteos flácidos.

O epíteto depreciativo veio do guitarrista, compositor e poeta Flávio Jacobsen, a propósito da crônica Rua sem nome, publicada na edição de ontem, quando o desolador destino da Rua 24 Horas foi historiado. Lembramos da gênese da Rua 24 Horas, nascida do caderninho de idéias de Jaime Lerner, para finalizar com uma sugestão supostamente retirada das mesmas anotações do arquiteto: A Prefeitura deveria induzir a Rua 24 Horas ao comércio de livros e produtos culturais, reunindo sebos, artesanato, floriculturas, internet, locadoras de vídeo, galerias de arte e cafés. Buenos Aires pode ser aqui (eu dizia), porque churrascarias temos de sobra.

Em resposta, Flávio Jacobsen enviou o seguinte comentário:

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A idéia de um sebo gigante e cooperativo é boa, Dante. Mas é bem intencionada demais para estes caras. O projeto da 24h não vingou por falta de assistência aos lojistas, incompetência da administração do local e pela estupidez do projeto em si, todo de armação metálica, que torna o lugar um gelo em dias frios, e encana o vento e o diabo. Dias frios que são bastante típicos por aqui, não? Arquiteto não vê isso antes? Foi só a modinha passar e a galera migrou para outros pontos. Isso serve igualmente para a Ópera de Arame, que só serve para reuniões de pais e mestres gélidas, formaturas gélidas e pra fazer fotos de cartão postal gélidas, outro projeto de fachada e extremamente burro. Estes caras são todos uns bundões, isso sim. Ah, e tem a Pedreira também, que daí não funciona porque a vizinhança é bunda-mole e não gosta de festa. Quer saber? Acho que uns, digamos, 72% dessa cidade é formada por um bando de bunda-mole. Alguma dúvida? Eu não saio nestas estatísticas e pago imposto igual. Como é que fica? Caderninho do Jaime Lerner… tsc, tsc… e o metrô que é bom nada, né? Bundões! (fjacobsen)

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Fosse em Porto Alegre, Flávio Jacobsen seria perseguido nas ruas pelos brigadianos, colorados e gremistas. Curitiba não é de natureza beligerante. Então levamos mais esse desaforo para casa e o guardamos no porão. Até porque, conforme escreveu Dalton Trevisan, “toda família curitibana tem um louquinho trancado no porão”.

Sendo este um jornal da família paranaense, de minha lavra traduzo o epíteto depreciativo de Jacobsen como glúteo flácido, e a mais não me arrisco.
Desconsiderando a alegre expressão de botequim, precisamos levar em conta algumas das considerações levantadas pelo indignado. Especialmente quando ele se refere ao projeto da Rua 24 Horas: “Arquiteto não vê isso antes?”

É uma injustiça duvidar destes nossos tão respeitados profissionais. Os arquitetos planejam e vêem tudo antes, nos mínimos detalhes. Especialmente as goteiras. Jaime Lerner, inclusive, tem uma teoria onde prova que uma construção sem goteira não pode levar a assinatura de um arquiteto. É obra de engenheiro, sem a mínima graça.

Quanto à Pedreira, é justa e procedente a ira do guitarrista. Se a cidade interditar a Pedreira Leminski, com todo respeito ao sono da vizinhança, então só nos resta reconhecer: 72% dessa cidade é formada por um bando de glúteos flácidos.

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Integrante da banda Gruvox, Flávio Jacobsen se apresenta dia 25 de setembro no TUC. Pequeno teatro localizado na galeria Júlio Moreira, passagem subterrânea sob a travessa Nestor de Castro, o TUC foi mais uma daquelas idéias do caderninho de Jaime Lerner. Após o espetáculo, Flávio Jacobsen passa uma temporada em Londres. Antes de viajar, o guitarrista deveria se despedir do Homem Nu, na Praça 19 de dezembro.

O indignado vai sentir com as próprias mãos: aquele curitibano não tem o glúteo flácido.