Uma boa notícia para o dr. René Dotti. A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça fez justiça ao escritor Sérgio da Costa Ramos, anistiado pela Caravana da Cidadania que esteve em Florianópolis para julgar 29 processos envolvendo
presos políticos, desaparecidos e perseguidos pelo regime militar.

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Sérgio da Costa Ramos é um dos grandes cronistas brasileiros. Os leitores do jornal Diário Catarinense, que não são pouco aqui no Paraná, bem sabem porque Sérgio da Costa Ramos tem entre seus admiradores o escritor Deonísio da Silva, Luiz Fernando Veríssimo e o dr. René Dotti.

E não é de agora que este nosso notável jurista conhece o cronista de Floripa. Nos anos de chumbo, Sérgio da Costa Ramos escreveu uma crônica no jornal O Estado (SC) sob o título Seu Arthur e eu na calada da noite, na qual narrou em ficção um passeio noturno com o então presidente Costa e Silva, que acabara de visitar Florianópolis.

Quando da publicação, Sérgio iniciava a carreira jornalística com pouco mais de 20 anos. Veio então o AI-5 e da treva surgiu a ordem do General Portela de prender o cronista. Sem ordem judicial, Sérgio então foi sequestrado, de fato,
e trazido para Curitiba.

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Escreveu o colunista político Moacir Pereira, no Diário Catarinense de sexta-feira, dia 20 de março: “Para cuidar de sua liberação, o consagrado criminalista René Dotti entrou com pedido de prisão na Justiça Militar de Curitiba. Temia pela vida do constituinte. Transferida a responsabilidade de sua integridade física ao governo, partiu para uma batalha jurídica pela libertação. O que ocorreu apenas seis meses depois.

O jornalista sofreu abalo pessoal, familiar, além de prejuízos profissionais e funcionais”.

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Na mesma edição, o início da crônica de Sérgio da Costa Ramos: “A democracia precisa de um permanente regador. Na verdade, precisa de um banho duplo. De água limpa e de raios de sol que permitam a operação de toda a fotossíntese: direitos, deveres e garantias ao ser humano, leis igualmente humanistas, liberdade de associação, opinião e expressão, respeito às minorias, poderes harmônicos e independentes, imprensa e eleições livres. Quando esses pressupostos aparecem fraturados por processos iníquos, manu militari, caímos numa ditadura, como a que impôs ao país a sua vontade unicórnia, ao longo de 21 anos”.

Quase 40 anos depois, Sérgio da Costa Ramos contou de sua amarga passagem pelo calabouço de Curitiba no livro Nem sempre foi assim (contos dos anos de chumbo), com a participação dos escritores Amilcar Neves, Cristóvam Buarque, Emanuel Medeiros Vieira, Francisco José Pereira, Mario Prata, Olsen Jr., Sérgio Faraco, Silveira de Souza e Urda Alice Klueger.

Quando lançado, fui portador de um exemplar destes contos dos anos de chumbo para dr. René Dotti, com uma bela dedicatória de Sérgio da Costa Ramos. Na tarde de sexta-feira, liguei para cumprimentar o anistiado, e para lembrar de sua triste estadia em Curitiba:
– Ah, o general Picasso! exclamou Sérgio.

Na crônica dos anos de chumbo, o principal personagem de Sérgio da Costa Ramos é o general Picasso. Ou, general José Campos de Aragão. Comandante da 5.ª Região Militar e pintor de tempo quase integral. E o carcereiro do cronista não era um pintor qualquer. Naqueles tempos estranhos, ninguém mais vendia quadros em Curitiba do que o general Picasso. No Clube Curitibano, no Graciosa Country Club faziam fila para comprar em metros as paisagens do pintor fardado.

O generalato para ele era um bico: ganhava mais com o pincel do que com a espada.

Cena do cotidiano: o general Picasso ia para a Praça Tiradentes pintar sentado num banquinho, com um cavalete, dois sargentos e um cabo. Enquanto os sargentos montavam guarda na retaguarda, o cabo lavava os pincéis.

Quando servi ao Exército aqui em Curitiba, no quartel-general, em 1970, conheci pessoalmente o general Picasso: tal e qual descrito por Sérgio da Costa Ramos.