Gaiolas

No vácuo do voo Rio-Paris que mergulhou no Atlântico, causas possíveis e até além da imaginação foram levantadas. Uma delas seria de que o airbus da Air France teria sido derrubado por raios. Essa teoria, se não é vera, pelo menos trouxe à tona a Gaiola de Faraday. “Gaiola do quê?” – pergunta quem tem medo de avião.

No boteco da esquina, quando o professor falou da Gaiola de Faraday, todos se sentiram mais “tapados” que o ministro Nelson Jobim, que, segundo o jornalista Augusto Nunes, falou sobre o acidente “com a expressão inteligente do detetive que, depois de encontrar um cadáver com as mãos acorrentadas e 17 facadas no peito, descarta a hipótese de suicídio”.

“Gaiola de Faraday – tratou de explicar o professor – foi um experimento conduzido pelo físico e químico inglês Michael Faraday (1791/1867) para demonstrar que uma superfície condutora eletrizada possui campo elétrico nulo em seu interior, porque as cargas se distribuem de forma homogênea na parte mais externa da superfície condutora. No experimento de Faraday foi utilizada uma gaiola metálica, que era eletrificada, e um corpo dentro da gaiola poderia permanecer lá, isolado e sem levar nenhuma descarga elétrica.”

– Esse entende do assunto! aplaudiu um circunstante. Mas, você há de concordar, professor, a tempestade deve ter prejudicado a fiação do avião. Isto porque um amigo meu, jogando bola num descampado, quase foi atingido por um raio que passou raspando e, depois disso, ficou pra sempre ruim da cabeça, perdeu rumo. Quer dizer: o raio não matou o sujeito, mas prejudicou a fiação do “célbero”.

Boteco tem dessas coisas: o chope aumenta a eletricidade do balcão, ativa a fiação da rapaziada, e depois disso a Gaiola de Faraday conduziu a conversa para outros rumos. Da física, química e à política, com variações sobre o mesmo tema.

– No meu modo de entender os fenômenos brasileiros, essa tal de Gaiola de Faraday tem outros nomes: pode ser a Assembléia Legislativa, Câmara ou Senado. Cada qual ao seu modo, é uma Gaiola de Faraday: com imunidade parlamentar, um corpo dentro da gaiola das loucas pode permanecer lá, isolado e sem levar nenhum raio na cabeça. A democracia treme na base, mas não cai ninguém. E quando cai, cai para cima. No máximo, as Excelências sentem um leve choque provocado por um curto-circuito na opinião pública.

– Foi o que aconteceu com o deputado de Carli. Só que, nesse caso, não foi um raio que provocou o acidente. Foi o álcool que torrou a fiação do rapaz.

– O álcool e a sensação inebriante da impunidade, comum a todos no poder.

– O poder é uma Gaiola de Faraday. No Judiciário, no Legislativo e no Executivo. Lula, por exemplo, é um corpo protegido pela gaiola metálica do Palácio do Planalto. Muito dizem que sua invulnerabilidade é graças ao Teflon. E diz aí, professor: o que é o Teflon?

– Teflon é a marca registrada da DuPont que identifica um polímero, o politetrafluoretileno (PTFE). Descoberto acidentalmente por Roy Plunkett, em 1938, e apresentado para fins comerciais em 1946. O PTFE é um polímero similar ao polietileno, onde os átomos de hidrogênio estão substituídos por fluor.

– No popular, é seguinte: nada gruda num presidente com Teflon. Isso dentro da ciência política. No campo da física, Lula está dentro de uma Gaiola de Faraday. Não é, professor?

– Exatamente: uma superfície condutora eletrizada possui campo elétrico nulo em seu interior.

– Quero que um raio me parta se estiver errado, mas tenho certeza que o Lula acreditava que vivíamos dentro de uma Gaiola de Faraday. Ou ele não diria que a crise econômica só provocaria uma “marolinha”. O Brasil ficaria isolado, sem levar nenhuma descarga elétrica.

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Porque um bom boteco também é uma Gaiola de Faraday, assim foram noite afora as elocubrações sobre o mesmo tema, e o único raio que caiu na mesa foi a conta.