Gabeira voltou, outra vez

Das frases de Fernando Gabeira, a que melhor cabe no momento é essa: “Eu não tenho vergonha de ser bonito”. Depois de abertas as urnas do Rio de Janeiro, quando cumprimentou com a costumeira civilidade os adversário e falou à imprensa, Gabeira devia ter acrescentado: “Eu não tenho vergonha de ter feito bonito”.

E o ex-guerrilheiro fez bonito. Só não ganhou porque foi decretado feriado antecipado na segunda-feira e 25% dos cariocas, que não resistem às tentações, foram à praia eleger a próxima musa do verão.

Para Fernando Gabeira, mesmo assim ausentes os cariocas estão perdoados, porque é o próprio candidato que abençoa os relaxados: “Na praia, mesmo que não queiram, as pessoas têm um corpo. Ninguém pode fingir que é puro espírito quando está seminu”.

Para o Rio de Janeiro ganhar um redentor da alma carioca, enfim, a Fernando Gabeira faltaram umas titicas de votos e, aos cariocas, o puro espírito. Depois de exilado, Fernando Gabeira tem tentado retornar ao Brasil em vão. Na primeira vez que retornou, em 1979, sua chegada foi a mais espetacular depois da anistia. Desembarcou no Galeão nos ombros da banda de Ipanema, no mesmo avião que trouxe da Europa o time do Flamengo, e ali mesmo foi escalado para jogar na extrema esquerda da torcida brasileira.

Naquele dia, os órgãos de segurança também foram ao aeroporto recepcionar o filho pródigo, com a intenção de levar Gabeira em passeata pela orla carioca dentro de uma caminhonete veraneio da repressão. Ruy Castro, no livro Ela é carioca, registrou a ocorrência: “Sem conhecer Gabeira, os tiras abotoaram um barbudo que desceu do avião. O barbudo negou enfaticamente ser Gabeira, mas os homens não quiseram saber e o levaram pedalando no ar. Enquanto isso, o autêntico e único Gabeira, com suas roupas coloridas, passou todo frajola pela Polícia Federal e caiu nos braços da massa”.

Esse foi o primeiro retorno de Gabeira ao Brasil. Vindo da França, a segunda “rentrée” aconteceu dias depois, ainda mais triunfante: chegou a Ipanema com uma tanga que chegou a chocar até o shortinho justíssimo de Rose di Primo, a mulher objeto que passou uma eternidade nas paredes das oficinas mecânicas. A tanga de Gabeira, de crochê lilás e verde, na verdade era a calcinha do biquíni de sua prima Leda Nagle. Aquele que era para ter sido o “verão da abertura”, para desânimo da esquerda com papel passado em cartório, tornou-se o “verão da tanga”. Com outra decepção aos que esperavam o macho salvador da pátria: Gabeira anunciou na frente da turma do Pasquim o “crepúsculo do macho” e se declarou bissexual. Ziraldo, o que nunca negou fogo, teve um chilique e broxou.

A terceira “rentrée” de Fernando Gabeira no Brasil foi quando lançou o livro O que é isso, Companheiro?. A quarta “rentrée” sucedeu com o ingresso do guerrilheiro de tanga lilás e verde ao cenário da política partidária. Na quinta “rentrée”, Gabeira desceu no aeroporto de Brasília, foi recepcionado pelos repórteres de plantão e vestiu o paletó de candidato a presidente da República pelo Partido Verde. Sem contar que, entre idas e vindas ao Distrito Federal, deu de dedo no “mensalinho” Severino Cavalcante.

A sexta “rentrée” de Fernando Gabeira no Brasil foi sua candidatura a prefeito do Rio de Janeiro. Outra vez desceu no Galeão, foi prefeito no fim do primeiro turno e, ao cabo do segundo, voltou de onde partiu.
Não foi dessa vez que Fernando Gabeira retornou definitivamente ao Brasil. Mas não vamos perder a esperança. Gabeira vai voltar, outra vez. Porque, mesmo sem passaporte para entrar nos EUA, o eterno guerrilheiro não está com visto vencido no Brasil e mais quatros anos de espera no saguão do aeroporto não é muito, considerando que “a esquerda quer que as pessoas esperem setenta anos para ter um orgasmo quando a revolução triunfar”.