Graças aos impostos que não deixavam nem mesmo um fabricante de papel higiênico fazer suas necessidades em paz, o filho de um francês que fabricava “banana em pó” tornou-se mais um brasileiro enfurecido. E daí o nome do primeiro filho: Furibundo. Os seguintes foram batizados de Meditabundo, Nauseabundo, Moribundo e Vagabundo.

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Dr. Furibundo Derrier, casado com dona Pureza, é economista. O doutor não veio de nenhum doutorado na França, é fruto da graduação social que faz qualquer proeminência brasileira ser chamada de “Doutor”. E sempre que é assim tratado, com D maiúsculo, Furibundo lembra do venerado Charles de Gaulle:

– Esse não é um país sério! É um país subserviente, de herança portuguesa. Em 1808, se Napoleão tivesse interceptado a família real no meio do Atlântico, hoje isso tudo teria pelo menos a Carla Bruni como primeira-dama. O que deixa Furibundo Derrier particularmente enfurecido é quando alguém menos sério ainda o chama de Dr. Derrière. Um tratamento gaiato dito em surdina, posto que Furibundo fabrica papel higiênico.

Dos quatro filhos de Furibundo e Pureza, apenas o engenheiro e administrador de empresa Nauseabundo trabalha com o pai. Meditabundo, o primogênito, é advogado. Moribundo, coitado, é professor. E Vagabundo é arquiteto sem nunca ter exercido. É multimídia, o caçula Vagabundo: desenhista, pintor, poeta, escritor, ator, músico e compositor, ele é pessoa física dependente da Lei Rouanet e outros mecenatos públicos. Com tal currículo, Vagabundo até já incursionou pelo jornalismo, mas pediu demissão depois de passar um mês cobrindo os bastidores da política.

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– É de vomitar! exclamou Nauseabundo ao ler uma reportagem escrita pelo irmão Vagabundo, uma página inteira com o histórico de nepotismo no Paraná.

– Por que? Escrevo tão mal assim? perguntou o desolado Vagabundo.

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– Nem tanto… mas lidar com papel higiênico não é tão desconfortável!

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Sem nenhum preconceito com a imprensa, sempre que Nauseabundo abre um jornal ele tem esse tipo de reação. Já na primeira página, o comentário é pontual: “Isso está me cheirando mal!”.

– O país está definitivamente podre! bradou Nauseabundo, antes de começar a vomitar o almoço de negócios que ainda estava em digestão. E caiu estatelado no tapete. O irmão Moribundo veio acudir, dona Pureza correu na cozinha para fazer um chá de camomila e, rápido, Dr. Furibundo passou a mão no jornal para descobrir a causa de tamanho estrago intestinal.

– É a entrevista do José Sarney! acalmou a todos o patriarca, passando a ler em voz alta o que revirou o estômago do Nauseabundo: “Eu acho que eu tenho um nome que deve ser julgado com respeito pelo país. Eu tenho uma biografia, nunca alguém associou minha vida pública ao nepotismo. Os fatos que colocaram estou mandando examinar. O que estiver errado, se corrija. Se eu tiver algum erro, eu sou o primeiro a corrigir. Mas acho que nunca conduzi de outra maneira que não fosse com correção”.

– Será o caso de levar o Nauseabundo pra um hospital? interveio o Moribundo.

– Realmente, o caso é de internação completou Dr. Furibundo. Até o Requião fez a defesa do Sarney, alagoano que nomeou neto, sobrinha e nora em cargos do Senado através de atos secretos. E falou e disse o governador com toda sua coerência: “Os grandes problemas do Brasil são outros, não essa nomeação de um neto”.
 
***

O enojado não foi para o hospital, graças ao chá de camomila de dona Pureza, santo remédio com receita da Lapa. Assim que Nauseabundo se botou de pé, Furibundo ordenou:

– Filho, passa lá na fábrica e manda urgente uma tonelada de papel higiênico para o Senado.

E de graça!

– De graça?

– De graça! Porque alguém nesse país precisa atender as primeiras necessidades dos políticos. Como dizia o Barão de Itararé, no Brasil a vida pública é a continuação da privada!