Fora do padrão

Na semana, refiz o trajeto que o jornalista Renato Schaitza tinha o prazer de contar em sua inigualável crônica deste jornal: Curitiba – Foz do Iguaçu, sem escala, com a distinção de ser recebido no aeroporto com uma agenda de sacrifícios: comer, beber, conversar e, não necessariamente nesta ordem, tecer o texto na varanda do hotel.

Schaitza não tinha na época as facilidades da internet para despachar a coluna para a redação. No tempo da Olivetti portátil, as laudas (alguém ainda lembra o que é lauda?) eram reescritas no telex, ou, já na “modernidade”, o hotel se encarregava de enviar pelo fax.

Nos seus relatos, o cronista nos advertia que, ao firmar o pé na tríplice fronteira, os primeiros passos seriam para percorrer a mais famosa avenida do Cone Sul: a “Calle de Los Borrachos”.

Por conhecer esse impreciso endereço dos relatos de Renatinho, levei no bolso o guia atualizado da “Calle de Los Borrachos”: “Hic!storia Os Maiores Porres da História da Humanidade”, de Ulisses Tavares (Panda Books, 272 páginas).

Para a leitura no ligeiro voo até a “Garganta do Diabo”, o compêndio etílico é de bom tamanho. Por exemplo: como Marco Antônio e Cleópatra foram derrotados por Baco e Eros; o desabafo do escritor F. Scott Fitzgerald: “Não consigo ficar sóbrio tempo suficiente para achar graça em ficar sóbrio”; as umas e outras daquele velho safado Charles Bukowski; os Kennedy, um uísque antes, outro depois; Walt Disney, que criou um rato, um pato e bebeu feito um gambá; Hemingway, o machão que balançava e não caía; até o nosso Emílio de Menezes nos mostra que na “Calle de Los Borrachos” já não se fazem boêmios como antigamente.

Renato Schaitza, neste momento pescando dourado no alto das Cataratas, há de concordar: a “Calle de Los Borrachos” não é mais a mesma.

Alguma coisa levemente parecida com os eflúvios de etílicos de antigamente vimos na feijoada de sábado, quando da tarde de autógrafos do multimídia Rogério Bonato (“Gato Preto, Gato Branco”,
500 exemplares vendidos até o pôr-do-sol). Com a presença de “quem é quem” da Foz do Iguaçu, do honorável Jorge Samek ao narrador Luciano do Valle, nos foi apresentada a nova cidadã da Costa Oeste: a excepcional cachaça Quati, destilada através de um consórcio de produtores da região. Branquinha ou moreninha, a purinha das Cataratas flertou com todos.

Os agendamentos seguintes mudaram da água (que o passarinho não bebe) para o vinho. À noite, jantar com o prefeito Paulo MacDonald Guisi e sua espirituosa esposa Hildegard (Tutty), mais o jornalista e escritor Domingos Meirelles. No almoço seguinte, a mesma mesa se repetiu, agora capitaneada pelo hoteleiro Ermínio Gatti, o singular personagem do livro de Bonato.

Com dois prêmios Jabuti (“A Noite das Grandes Fogueiras”, sobre a Coluna Prestes, e “1930, os órfãos da Revolução”), o inigualável apresentador do programa Linha Direta é o “tipo inesquecível” a monopolizar horas e horas de memoráveis histórias. Tanto assim, o almoço se prolongou com jantar na Argentina, na churrascaria “El Tio Querido”.

Domingos Meirelles é um jornalista fora do padrão, só bebe água! E nos contou mais uma de suas belas histórias de vida. Repórter do jornal Última Hora, no Rio de Janeiro, foi chamado para trabalhar no berço da Revista Realidade, da Editora Abril. Isto em 1970.

Na entrevista com a gerente de Recursos Humanos, a última pergunta:

– O senhor tem vícios?

– Nenhum.

– Não fuma?

– Não fumo!

– Mas bebe!

– Não bebo!

– Não bebe?

– Nunca fumei, nunca bebi!

Perplexa, a gerente encerrou o questionário pedindo para o jornalista aguardar o resultado. Passaram-se os dias, quando foi enfim convocado.

– Desculpe a demora. O seu caso precisou ser melhor analisado.

– Por que? Fui convidado, não vim aqui pedir emprego.

– É que o senhor não bebe. É um jornalista fora do padrão!

“La Calle de Los Borrachos” ficou impressionada com Domingos Meirelles.