Fora da casinha

Procurei não achei, queria saber quem inventou a deliciosa expressão “Fugiu da casinha!”. É a versão moderna do velho bordão “Fugiu do hospício”. Nos tempos da brilhantina, dizíamos simplesmente “pirou!”. Ou as variantes “pirado”, “piradíssimos”. Ou “maluco beleza”, carinhosa referência ao mestre Raul Seixas.

Não é de hoje que o mundo se tornou um hospício dirigido por loucos, tantos são os fugitivos da casinha. Alguns são mansos, aqueles “malucos beleza”, a grande maioria é foragida que explica uma outra origem para a expressão: os que fugiram da casinha do cachorro. Melhor dizendo, em respeito aos animais, feras sem focinheira que fugiram do canil. Estes latem no trânsito, acometidos da raiva. E há até aqueles que fogem da casinha e vão passar o fim de semana na praia, conforme este exemplar cartum de César Marchesini. Consagrado publicitário e cartunista, Cesinha faz parte do rol de amigos que fugiram da casinha faz tempo (e me incluo na categoria), mas nem por isso desertaram do lar, doce lar. Muitos, felizmente ou infelizmente, ainda não voltaram. Por isso podemos falar de cátedra acerca do assunto. Especialmente porque somos acostumados a fugir de casa e nos refugiar no bar, o consultório de psiquiatria com o balcão no lugar do divã.

No final do ano passado apareceu uma ave de arribação no nosso boteco. Como todo estranho no ninho, nos primeiros dois dias não deu mostras de ter fugido da casinha. No terceiro dia, batata: era um foragido. Em meia hora de vodka, o porre o denunciou.

Depois que saiu do armário (ou da casinha), por alguns dias seguidos, o botequim passou por momentos turbulentos, sempre entre 7 e 8 da noite, no expediente regulamentar da vodka pura.

“Gangorra”, este ficou sendo o nome do foragido: quando chegava, todos levantavam. Até que em certa noite de tolerância zero, a “gangorra” foi retirada do recinto a impropérios. A última vez que o boteco da esquina ouviu tantos aplausos foi quando o poeta Thadeu Wojciechowski declamou a obra completa de Paulo Leminski para uma dúzia de contemplados.

Do dia seguinte, o foragido voltou ao local do crime. Como sempre acontece, ele voltou, o banido voltou novamente. Chamou o gerente em particular e implorou:

– Para o meu próprio bem, por favor, de hoje em diante, nunca mais me sirva vodka. Só refrigerante.

Trato feito, o que fugiu da casinha passou alguns dias sem aparecer. Mas apareceu.

– Como foi combinado, o trato foi de que você não mais me serviria vodka.

-Perfeitamente!

– E se eu pedir uísque, vocês me servem?

O gerente consultou as bases e assinou o armistício.

– Tudo bem. Vamos servir uísque. Mas só se for uísque doze anos, rótulo preto!

Naquela noite o foragido voltou para a casinha com a contabilidade no vermelho. Depois disso, consta que se regenerou. O Black Label não lhe caiu bem.

***

Enfim cheguei a este parágrafo para avisar o seguinte: o deputado estadual Neivo Beraldin fugiu da casinha. Apresentou projeto na Assembleia Legislativa para perpetuar a “Escolinha de Governo” do governador Roberto Requião. “Go home, my friend!”. A casinha do governo já está quase vazia, estão fugindo todos.