Ontem a Lei Seca no trânsito completou um aninho e os motivos para lembrar o aniversário são expressivos: caiu o número de mortes e internações provocadas pela pandemia de automóveis. As capitais que registraram reduções tanto de internações como de óbitos foram São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre e Recife. Na contramão, Belo Horizonte, Belém e Teresina registraram aumento. E em Curitiba? Aqui podemos dispensar os números. As circunstâncias e as consequências do trágico comportamento do jovem ex-deputado Luiz Fernando Ribas Carli Filho são emblemáticas.

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Se for para medir o cumprimento (ou comprimento) e o alcance da lei, prefiro ilustrar com o que está no meu livro Curitiba: melhores defeitos, piores qualidades. Depois de viver durante bom tempo na Itália, o escritor inglês Tim Parks fez uma caricatura do cotidiano italiano com um sabor especial para nós brasileiros: bem como no Brasil, sempre há um jeitinho italiano para burlar a lei. E existem as leis que pegam e as que não pegam.

Na anarquia italiana ou brasileira, “impopular é a aplicação da lei, e não a lei em si, a qual é manifestamente uma coisa boa e constitui a resposta certa para qualquer problema que ela pretenda solucionar, do mesmo modo que é certo para o papa insistir na castidade, desde que cada um faça como melhor entender. Existem inúmeras leis cujo valor nunca será questionado. E sob esse disfarce ladino, todos vivem como acham que devem viver”.

Discreto, válido, relativo: essa é a fórmula italiana para discutir política, por exemplo. Uma das satisfações do italiano é achar que, com essas três palavras, ele fez uma análise da situação, avaliou os prós e os contras e concluiu como um analista astuto, observando todo o espetáculo à distância.

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Essa fórmula pode ser aplicada em qualquer discurso. Sobre dirigir bêbado, por exemplo: a lei sobre dirigir embriagado, elaborada discretamente (com inteligência e oportunidade), na verdade é na maior parte válida (sensata, funcional), mas tudo isso é relativo (só tem importância secundária), já que os instrumentos para a aplicação da lei não estão disponíveis ou, se estão, ninguém tem intenção de usá-los.

Depois do confisco da poupança decretado por Collor de Mello, nunca uma lei causou tanta polêmica no Brasil como a Lei Seca. E a proposta de lei proibindo radicalmente o cigarro em recintos fechados, no que se refere às exceções, tem a mesma trilha sonora, com roteiro adaptado.

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– É o fim dos tempos! sentenciou o desconsolado notívago.

– Não me diga: você vai parar de beber, fumar e entrar no seminário?

– Quase isso! Sabia que está proibido fumar no Gato Preto?

– No Gato Preto, aquele último reduto da madrugada curitibana, o templo da boemia energizada com canja de galinha? Não acredito!

– Pois acredite: a partir de agora, o cafetão precisa se comportar como se estivesse no seminário e a cafetina num convento!

– É o fim dos tempos: canja de galinha temperada com tabaco, nunca mais!

– Se no Gato Preto os únicos que não fumam cigarros são os que fumam charutos, qual será a área reservada para fumantes?

– Ao ar livre, nas calçadas ao longo da Rua Cruz Machado!

– Vai faltar calçada!