Quinta-feira, 26 de fevereiro, é o primeiro dia útil de 2009. Dando por encerrada a folia, o calendário aperta e o povo corre atrás do prejuízo que se acumula desde o fim do ano passado. Politicamente, as correrias federal e estadual também serão grandes. Último ano que antecede o período eleitoral, 2009 é “fim de safra”.

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Bem a propósito, o escritor e historiador paranaense Oney Barbosa Borba tem uma crônica publicada em 1987 no livro Telêmaco mandou matar e outras crônicas, onde é explicada a expressão “fim de safra”.

Contador de histórias dos Campos Gerais, Oney diz que “nós, caboclos do Paraná, sabemos o que significa a expressão muito nossa (fim de safra), quando a empregamos para definir a situação política”. E faz uma observação que não perde o viço: “Acontece que dos três milhões de pessoas que pisam agora as terras que foram dos coroados e de outros silvícolas seus parentes, quase a metade não é do Paraná, não sabe o que é “fim de safra”.

Para esses, a explicação do cronista: “A colheita antiga não era completa como se faz hoje. O restolho ficava na roça. Terminada a colheita, abrem-se os fechos e o gado miúdo e graúdo invade a tingüera. A marcha acelerada é acompanhada de guampaços, coices, paletadas, tropicões nos tocos e buracos de tatu, resvalos nos fojos e peraus, onde alguns se estatelam, em luta para abocanhar o refugo do milho, feijão, abóbora, cana, mandioca, batata. O cheiro do alimento maduro desperta a voracidade dos animais na antevisão da penúria do inverno que se aproxima. Garraio de cola grossa e chifre duro, na ânsia devoradora das espigas, se atreve a frontear o `pai do gado’; capadete sarnento disputa a raiz da mandioca esquecido das mandíbulas do cachaço; rastaqüera piquira relincha e cede o lugar à custa de muitos manotaços do bagual. O que resta é pouco para comer e o gadaréu se afronta, se desconsidera, se desrespeita, na devastadora pressa de acabar o que ficou da safra. É um “vale-tudo”, sem consideração às regras de que a própria natureza dotou os animais. A conduta anormal do gado estarrece o campeiro; é o império da exceção a contrariar a lei do mais forte: bois tambeiros se tornam valentes diante de uma espiga de restolho e enfrentam tourunos e touros, no antegozo do mundo de fartura que logo se acabará. É o arrasamento do que existe de bom; é um “Deus nos acuda” no chão da roça, que logo ficará pisoteada como terreiro em frente de capela, nos dias de festa. Com as primeiras geadas os capins mimosos e outros mais tenros estarão esturricados. Aproxima-se o mês de agosto em que falta tudo ao gado. É o fim de safra”.

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Em política acontece o mesmo, conclui Oney Barbosa Borba. “Por ilogismo sobem à ribalta de altos cargos ou funções indivíduos incapazes de trabalhar para o bem público, mas suficientemente argutos para prenunciar o fim das vantagens que excepcionalmente desfrutam. Na ânsia de aproveitar o momento que não sabem interpretar como em função da coletividade, avançam, agem despudoradamente; com rapidez inacreditável agarram e se apossam do que encontram. Não lhes pesa a consciência que a ambição descompassada digere, como se estivesse localizada na região do umbigo. Afrontam a opinião pública. Aproveitam-se a mais valer. Não conhecem páginas de civismo, mas sabem de cor e salteado a “arte de furtar”, em edição correta, melhorada e aperfeiçoadíssima”.

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Descendente de Telêmaco Borba, Oney Barbosa Borba nasceu em Ponta Grossa, mas foi em Castro que começou sua carreira de escritor e historiador. Nas suas inteligentes crônicas sobre a história do Paraná, a maioria delas reflete os costumes dos Campos Gerais e, sobretudo, expõe as misérias da história política paranaense.

Escrita originalmente para jornal, a crônica “Fim de safra” diz respeito a todo fim de governo. Desde Zacarias de Góes e Vasconcellos, o primeiro presidente da província imperial, até os dias de hoje. Neste “fim de safra”.