Dando por encerrado melancolicamente o primeiro governo de Dilma Rousseff , com marchas e contramarchas para escolher um herói para o Ministério da Fazenda, bem a propósito o escritor e historiador paranaense Oney Barbosa Borba tem uma crônica onde é explicada a expressão “fim de safra”.

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Contador de histórias dos Campos Gerais, Oney diz que “nós, caboclos do Paraná, sabemos o que significa a expressão muito nossa (“fim de safra”), quando a empregamos para definir a situação política”. E faz uma observação que não perde o viço: “Acontece que das milhões de pessoas que pisam agora as terras que foram dos coroados e de outros silvícolas seus parentes, quase a metade não é do Paraná, não sabe o que é ‘fim de safra’”.

Para esses, a explicação do cronista: “A colheita antiga não era completa como se faz hoje. O restolho ficava na roça. Terminada a colheita, abrem-se os fechos e o gado miúdo e graúdo invade a tinguera. A marcha acelerada é acompanhada de guampaços, coices, paletadas, tropicões nos tocos e buracos de tatu, resvalos nos fojos e peraus, onde alguns se estatelam, em luta para abocanhar o refugo do milho, feijão, abóbora, cana, mandioca, batata.

O cheiro do alimento maduro desperta a voracidade dos animais na antevisão da penúria do inverno que se aproxima. Garraio de cola grossa e chifre duro, na ânsia devoradora das espigas, se atreve a frontear o ‘pai do gado’; capadete sarnento disputa a raiz da mandioca esquecido das mandíbulas do cachaço; rastaquera piquira relincha e cede o lugar à custa de muitos manotaços do bagual.

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O que resta é pouco para comer e o gadaréu se afronta, se desconsidera, se desrespeita, na devastadora pressa de acabar o que ficou da safra. É um ‘vale tudo’, sem consideração às regras de que a própria natureza dotou os animais. A conduta anormal do gado estarrece o campeiro; é o império da exceção a contrariar a lei do mais forte: bois tambeiros se tornam valentes diante de uma espiga de restolho e enfrentam tourunos e touros, no antegozo do mundo de fartura que logo se acabará. É o arrasamento do que existe de bom; é um ‘Deus nos acuda’ no chão da roça, que logo ficará pisoteada como terreiro em frente de capela, nos dias de festa.

Com as primeiras geadas os capins mimosos e outros mais tenros estarão esturricados. Aproxima-se o mês de agosto em que falta tudo ao gado. É o fim de safra”.

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Em política acontece o mesmo, conclui Oney Barbosa Borba. “Por ilogismo sobem à ribalta de altos cargos ou funções indivíduos incapazes de trabalhar para o bem público, mas suficientemente argutos para prenunciar o fim das vantagens que excepcionalmente desfrutam. Na ânsia de aproveitar o momento que não sabem interpretar como em função da coletividade, avançam, agem despudoradamente; com rapidez inacreditável agarram e se apossam do que encontram. Não lhes pesa a consciência que a ambição descompassada digere, como se estivesse localizada na região do umbigo. Afrontam a opinião pública. Aproveitam-se a mais valer. Não conhecem páginas de civismo, mas sabem de cor e salteado a ‘arte de furtar’, em edição correta, melhorada e aperfeiçoadíssima”.

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Neste fim de primeiro governo e início de segundo, Dilma Rousseff começa uma desastrosa colheita do que plantou. Esperamos que o próximo fim de safra lhe seja mais leve.