Quanto mais a violência urbana leva as pessoas a morar na periferia, isoladas dentro de condomínios penitenciários, mais o centro da cidade parece uma cidade do interior. Numa esquina o barbeiro contador de histórias, na outra o açougueiro de confiança, no meio da quadra o jornaleiro amigo, prazeres ao alcance da sola do sapato.

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Há vinte e seis anos moro no centro, no mesmo endereço da Rua Augusto Stellfeld, e não tenho do que reclamar deste miolo que para muitos representa o caos urbano. Na semana retrasada, a jornalista Flora Guedes nos entrevistou para uma bela reportagem com os moradores do centro, publicada na Folha de Londrina. Minha mulher, Maí Nascimento, morou a vida inteira no centro, como contou à repórter: “A casa ficou pronta em 1956, antes morei na casa dos meus avós, na Rua 24 de Maio. Sou bicho do centro. Minha mãe mora aqui até hoje. Ela tem 84 anos e vai em todas as lojas que abrem na região se apresentar, gosta desse contato próximo. Todo mundo conhece dona Luizinha. Hoje o centro é um bairro velho, local de comércio e poucas residências. Aqui só mora gente idosa, que permaneceu devido à ligação afetiva com o lugar, porque a casa veio como herança da família.”

Somos vizinhos da casa de meus sogros. Afora a passarinhada (até um macaquinho já nos frequentou), é um imenso prazer começar o dia admirando no quintal ao lado a bela árvore de pau-brasil plantada em 1971.

Do canto que me toca, disse à pernambucana Flora Guedes: “Os centros estão se degradando porque as pessoas saem para morar nos bairros. Se tem gente andando nas ruas, se apropriando do espaço, tem menos ladrão. Veja que o pior lugar para se morar em Curitiba é o Centro Cívico. Lá, à noite, é um deserto”.

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Por certo, exagerei. À noite o Centro Cívico não é um deserto, é um ermo. Aquilo é tão vazio (para comprar um fósforo é preciso chamar um rádiotáxi) que até os sequestradores relâmpagos fazem da região um ponto de operações noturnas.

O poeta e jornalista Zeca Correia Leite é outro feliz morador do centro. A repórter Flora Guedes ouviu dele uma declaração de amor ao miolo da cidade: “Adoro andar. Saio por aí xeretando, fuçando as lojas, os sebos. Vou ao sacolão, a um café, resolvo minhas coisas todas a pé. Meu cotidiano é humilde, de um aposentado”.

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Sempre de bom humor, Zeca Correia Leite não podia deixar de comentar o espírito dessa cidade que adotou em 1973: “Curitiba era glacial, o clima e o povo. As coisas mudaram muito ou eu mesmo virei glacial. Mas acho que não fiquei tão frio, sou daquelas geladeiras defeituosas”.

Flora Guedes, que mora no Cabral, reportou também o cotidiano de Lucélia Newton, relações-públicas que acorda cedinho para caminhar no vizinho Passeio Público e depois caminha até o trabalho, no Centro Cívico: “As pessoas têm a impressão de que à noite aqui fica vazio, que é perigoso. Mas não é. Muitos locais são super movimentados, como a Presidente Farias, a Carlos Cavalcanti, a Santos Andrade. Daqui eu não saio porque tenho qualidade de vida. Amo o centro”.

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Ontem (sábado), a Alameda Prudente de Morais virou rua de uma cidade do interior. Fechada ao público entre meio-dia e 16h, a Aliança Francesa de Curitiba a transformou na Rua da França, abrindo oficialmente, em Curitiba, o Ano da França no Brasil.

Em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba, o evento gastronômico-cultural daquele pedaço de rua, entre a Augusto Stellfeld e a Saldanha Marinho, ganhou uma versão gaulesa do Stammtisch, aquela festa de rua inventada pelos alemães para celebrar a céu aberto a reunião de todos os grandes bares da cidade.

Com ambientação da artista plástica e arquiteta francesa Valerie Lochanbom, cerca de 10 chefes de cozinha e quituteiros locais serviram “cassoulet” e “crêpes”, artistas plásticos e músicos nos deram a honra e os vizinhos do Centro ficaram bem felizes.