Faz-de-conta

Por absoluta falta de assunto, os analistas políticos são unânimes: nunca, em tempo algum, se viu uma eleição tão sem sal, lembrando comida de hospital.

Ai, que preguiça!

Por outro lado, isso é muito bom, isso é bom demais. A apatia do eleitorado demonstra que nunca mais teremos eleições como as de antigamente, e não só pela urna eletrônica. Eleições viraram rotina e o eleitor passional, aquele que confundia política com time de futebol, brincava de bandido e mocinho, é um cidadão dos tempos em que se amarrava eleitor com linguiça.

Nem mesmo para os marqueteiros os tempos serão os mesmos, quando a safra eleitoral era uma cornucópia de dólares que irrigava o bolso de todos, da esquerda à direita. Todos os truques de comunicação já estrearam com grande sucesso de crítica, mas o distinto público cansou de ver o mesmo filme, os mesmos discursos, os mesmos roteiros, os mesmos programas gráficos dos computadores, os mesmos efeitos especiais, as mesmas duplas caipiras, as mesmas maquiagens, os mesmos truques e chega dos mesmos. Comícios, uma assembleia de trogloditas.

Água mole em pedra dura, tanto bate que caiu a ficha: campanha eleitoral é um mundo do faz-de-conta e isso não é mais segredo de polichinelo. Daí o silêncio da esfinge, que observa com um imenso enfado o patético desfile de militantes assalariados nas esquinas da cidade. No domingo o eleitor vai burocraticamente bater o ponto. Entra mudo, sai mudo, porque eleição deixou de ser prioridade na agenda.

Ai, que preguiça!

A apatia do eleitor sinaliza que os tempos são outros. O distinto público dispensa tantas plumas e paetês, tantos estandartes e alegorias e pede um sincero samba-enredo no lugar daquele velho e ultrapassado samba do crioulo doido.