A história de que o curitibano é frio vem de longe. Os retardatários não lembram, começou em 1967. “Curitiba, a fria” é o título de uma crônica do falecido jornalista e escritor Fernando Pessoa Ferreira no volume três do “Livro de Cabeceira do Homem”, da editora Civilização Brasileira, coleção que era editada por Paulo Francis.

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Quarenta anos depois, em novembro de 2008, Fernando Pessoa Ferreira me contou que, na crônica que enfureceu a cidade, deixou de escrever um episódio dos mais saborosos. Esqueceu de inserir uma ilustração exemplar, até próxima do realismo fantástico.

Em 1962, ou 61, Fernando era correspondente da revista “Manchete” no Paraná quando recebeu a comunicação, do Rio de Janeiro, de que o escritor Macedo Miranda estaria chegando para fazer uma reportagem sobre Curitiba. Anfitrião frequente, Fernando foi ao aeroporto receber o enviado especial da Editora Bloch. Da “Terra dos Aviões” (São José dos Pinhais) os dois repórteres foram direto ao Hotel Iguaçu. Chegaram cansados, pois na época o caminho do aeroporto passava pelo labirinto da velha estrada de Uberaba. Foram direto ao bar do hotel, para baixar a poeira com um uísque regenerador.

Hoje Hotel Bourbon, o Hotel Iguaçu sempre foi a principal sala de visitas de Curitiba. No início da década de 1960, especialmente, brilhava ao hospedar as estrelas do cinema que vinham à cidade para participar do festival “Tribunascope”, promoção internacional do jornal “Tribuna do Paraná”. Dormiram no Hotel Iguaçu, com o público fazendo guarda em frente ao número 102 da Rua Cândido Lopes, artistas como Janet Leigh, Karl Malden e Tony Perkins. Eram dias de festas e rumores, inclusive sobre supostos envolvimentos amorosos de Tony Perkins com mancebos curitibanos. O galã Troy Donahue, 1,90m, arrancava suspiros de adolescentes na calçada em frente à Biblioteca Pública, mas quem o conquistou foi a então Miss Brasil, Ângela Vasconcelos. Além de linda, na época era uma das poucas donzelas curitibanas que falavam inglês, francês e alemão. Afinal, havia morado em Berlim.

E o escritor Macedo Miranda merecia a distinção do Hotel Iguaçu, inclusive o melhor uísque da cidade.

Foi já no primeiro uísque, e não no terceiro, que Macedo Miranda respirou fundo e comentou, balançando a cabeça:

– Pois é, seo Fernando! (ele costumava tratar a todos com um respeitoso seo). Estamos aqui, tomando um uisquinho em plena “zona rural”!

O correspondente da “Manchete”, espantado, olhou para a Biblioteca Pública do Paraná em frente ao hotel e ponderou:

– “Zona rural”, não! Estamos em pleno centro da cidade!

– Ora, seo Fernando! É claro que estamos em plena “zona rural”!

Quando o escritor ia começar um discurso louvando o clima campestre da paisagem em volta, ao mesmo tempo em que Fernando tentava explicar que a zona rural, propriamente dita, era bem distante daquele hotel de alto gabarito, o absurdo aconteceu. Uma vaca malhada entrou pela portaria, botou os dianteiros no tapete vermelho e mugiu bonito:

– MÚÚÚÚÚ…

Macedo Mirando era um senhor elegante e de fino trato. Simplesmente tomou outro gole de uísque e, sem engasgar, comentou em voz baixa:

– Não falei, seo Fernando?

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