Walter saiu com a namorada de um bar no Bacacheri e foi deixá-la em casa no Cabral. Dois bairros vizinhos, do Bacacheri ao Cabral custa apenas cinco minutos, não quisesse o destino que aquele percurso lhe custasse horas de tormento.

continua após a publicidade

?Passa para o assento ao lado e não faz besteira. Fica frio!? – Foi o que Walter ouviu de um elemento armado, enquanto outro entrou pela porta traseira e lhe cobriu os olhos com uma venda. Sua última visão foi da namorada fechando a porta do prédio e dois encapuzados junto à porta do Vectra.

Mesmo vendado, Walter abriu e cerrou os olhos diversas vezes, como se tentasse acordar daquele pesadelo que aconteceu por volta das nove da noite de quinta-feira passada. O cano do revólver lhe machucou a nuca, quando o Vectra arrancou em alta velocidade, dobrou uma esquina, logo mais outra, gemendo pneu nas curvas. Walter obedeceu à ordem, permaneceu frio. Frio o suficiente para alertar sobre a velocidade do Vectra.

– Você está correndo demais, qualquer um vai perceber que se trata de um seqüestro.

continua após a publicidade

No que o encapuzado diminuiu a velocidade, Walter voltou a aconselhar os raptores:

– É bom vocês tirarem a venda dos meus olhos. Isso também pode chamar a atenção.

continua após a publicidade

– Tira a venda dos olhos dele, que o camarada parece de sangue bom – falou o motorista, enquanto o outro meliante também tirava o capuz.

Quando Walter voltou a enxergar, novamente mostrou aos assaltantes que estava disposto a colaborar.

– Mais uma coisa: desliga o pisca-pisca de alerta que isso também dá bandeira!

Num deserto do Pilarzinho estacionaram o carro. Serviram água mineral, tomaram o Rolex de 15 mil reais e limparam os bolsos do jovem advogado Walter. Nisso, chamou o celular do comparsa que estava no assento traseiro:

– Tudo sob controle, chefe. Pode chegar, tudo limpo! O camarada é sangue bom. Estamos aguardando!

Minutos depois se aproximou a viatura da chefia, uma caminhonete importada. O assaltante caminha até o comandante e retorna:

– Ordem do chefe: vamos até Santa Felicidade trocar de carro que esse Vectra já está sendo procurado. Deram o sinal de alerta para todas as viaturas da PM.

– Antes de partir – Walter pediu, até suplicou -, anotem o número da minha senha do banco do Brasil. Anotem porque, nessas circunstâncias, ainda sou capaz de esquecer e aí, sabe-se lá o que vocês podem fazer comigo!

– Anota a senha que o doutor é sangue bom! De sangue bom, vou te dar um bom conselho: em bairro de gente fina, nunca estacione o carro com vidros abertos e portas destrancadas. Nessa o doutor vacilou!

Depois de ensinar outras normas de prevenção noturna, o meliante, enfim, se dirigiu ao caixa 24 horas do Banco Brasil. Sacou mil reais e telefonou ao chefe.

– Tudo no bolso e na mão!

(…)

– É advogado, mas é sangue bom!

(…)

– Positivo! Vamos deixar o doutor no alto das Mercês!

(…)

– O chefe mandou: taqui trinta reais pro táxi, e pode ficar com o cartão, carteira da OAB e o resto dos documentos.

O Vectra foi incendiado em Santa Felicidade. Um momento antes de ser posto em liberdade, Walter ouviu o quadrilheiro responder ao celular:

– Pode ficar sossegada, querida. Hoje eu levo quinhentos reais pra casa! Desligou o telefone e complementou, olhando para o advogado:

– Era a patroa! Em casa ou na rua, doutor, faça o que o chefe mandar!