Faça o que a chefia mandar

Do Bacacheri, Walter deixou a namorada no Cabral. Bairros vizinhos, em poucos minutos o destino fez com que aquele percurso lhes custasse horas de tormento.

– Passa para o assento ao lado e não faz besteira. Fica frio!

Foi o que o advogado ouviu de um elemento armado, enquanto um outro entrava pela porta traseira e lhe cobria os olhos com uma venda. Sua última visão foi da namorada fechando a porta do prédio. Depois, o gesto de pegar o isqueiro para acender o cigarro e as sombras dos dois encapuzados junto à porta do Vectra.

A violência que veio a seguir é de vaga lembrança, porque mais forte foi a vontade de urinar. O assento do carro ficou úmido. Ou seria a calça? 

O cano do revólver lhe machucou a nuca, quando o Vectra arrancou em alta velocidade, gemendo pneu nas esquinas. Walter obedeceu à ordem, permaneceu frio. Frio o suficiente para alertar sobre a velocidade do Vectra.

– Você está correndo demais, qualquer um vai perceber que se trata de um sequestro. 

O encapuzado diminuiu a velocidade. Walter tomou um arzinho de coragem e voltou a aconselhar os raptores:

– Seria bom vocês tirarem a venda dos meus olhos. Isso também pode chamar a atenção. 

– O camarada parece de sangue bom! – falou o motorista, enquanto o outro meliante também tirava o capuz.

Num ermo do Pilarzinho estacionaram o carro. Tomaram água, o Rolex de 15 mil reais e limparam os bolsos do jovem advogado. Nisso, o celular do comparsa chamou. 

– Tudo sob controle, chefe! Pode chegar, tudo limpo! O camarada é sangue bom. Estamos aguardando!

Minutos depois se aproximou a viatura da chefia, uma caminhonete importada. Vários sinais intermitentes (luz alta, luz baixa, um cigarro aceso) e o assaltante foi ao encontro do comandante.

– Ordem do chefe: vamos pra Santa Felicidade trocar de carro. Esse Vectra já está sendo procurado. Deram o sinal de alerta pra todas as viaturas da PM.

– Fedeu?

– Nada além desse cheirinho de mijo!

Antes de partir, Walter pediu, até suplicou:

– Anotem o número da minha senha do banco. Nessas circunstâncias, ainda sou capaz de esquecer!

– Escreve a senha que o doutor é sangue bom! E de sangue bom, ouça um bom conselho: em bairro de bacana, nunca estacione o carro com vidros abertos e portas destrancadas. Assim o doutor vacilou!

Depois de ensinar outras normas de prevenção noturna, o sequestrador informou ao chefe.

– Tudo no bolso e na mão!

– Positivo! Vamos deixar o doutor no alto das Mercês!

– O chefe mandou: trinta reais para o táxi, taqui a carteira da OAB e outros documentos.

O Vectra foi incendiado em Santa Felicidade. Um momento antes de ser posto em liberdade, Walter ouviu o quadrilheiro responder ao celular:

– Pode ficar sossegada, querida. Hoje eu levo um cascalho pra casa!

Desligou o telefone e, olhando para o advogado, se despediu:

– Era a patroa! Em casa ou na rua, doutor, guarde mais um bom conselho: sempre faça o que a chefia mandar!