Era uma vez uma formiguinha e uma cigarra muito amigas. Durante todo o outono, dona Formiguinha trabalhou sem parar, armazenando comida para o período de inverno. Enquanto isso, dona Cigarra só queria saber de cantar nas rodas de amigos e nos bares da cidade. Até que um dia a Formiguinha cansou. E a Cigarra também.
O Brasil é um país fabuloso com fábulas mais fabulosas ainda, porque quase sempre o desenlace é imoral e a narrativa é verossímil. A Formiguinha brasileira nasceu de boa família, gente humilde, trabalhadora e honesta. Assim de boa formação, seu nome era “trabalho’, e seu sobrenome “sempre”, bem como reza a fábula universal: sempre pensando no amanhã, não aproveitava esse país bonito por natureza, o sol, a praia e a brisa suave do fim da tarde.
Enquanto isso, a Cigarra era aquela cigarra do La Fontaine: só queria saber de cantar nas baladas, nos palcos e nos bares da cidade. Cantava durante todo o outono, dançava, aproveitava o sol e o mar, curtia para valer, sem se preocupar com o inverno que estava por vir.
Então, certo dia, o inverno chegou. A Cigarra, exausta de cantar noite afora, voltou ao o seu casulo bagunçado. Com a ressaca de sempre, as olheiras de sempre.
TOC-TOC-TOC!
Alguém chamava por seu nome, do lado de fora da toca. Quando abriu a porta para ver quem era, ficou surpresa com o que viu. Sua amiga Formiga muito bem vestida, de penteado novo, perfumada, com mala e frasqueira nas mãos. E a Formiguinha disse então para a Cigarra:
– Olá, amiga, vou passar o inverno em Brasília. Será que você poderia cuidar da minha toca?
A Cigarra concordou:
– Claro, sem problemas! Mas o que lhe aconteceu?
E a Formiga respondeu:
– Cansei de trabalhar! Meu primo Formigão, que é cabo eleitoral do senador Saúva, vai me arrumar um emprego em Brasília.
– Assessora técnica?
– Alguma coisa assim. Só sei que depois das eleições, assim que sair minha nomeação, vou trabalhar num ministério com o Dr. Saúva.
– E o salário?
– Para os nossos padrões, uma fábula!
– E o que você vai fazer na campanha do senador Saúva?
– Laranjada!
– Laranjada?
– Ora, querida, com laranja é que se faz uma boa laranjada! O primo Formigão tem um partido de fundo de quintal e, como sempre, vai negociar o seu tempo na televisão.
– Formiguinha, amiga, você que é feliz…
– Ora, ora! E você? Parou de cantar?
– Quase. Imagine que eu estava cantando num barzinho, quando um produtor gostou da minha voz.
– Maravilha, Cigarrinha!
– Imagina! O pilantra me propôs um contrato de seis meses para fazer show num bordel! Depois dessa, pra mim chega! Vou estudar pra jornalista e, de agora em diante, passo o dia na cantina da faculdade e canto à noite.
– No bordel?
– Deus me livre! Mesmo ganhando pouco, prefiro levar a vidinha de sempre: teatro, barzinho e, se deus quiser, quero montar uma produtora de som. Mas a prioridade será o curso de jornalismo, cansei dessa vida de artista.
– Bom saber, amiga: vou indicar você para produzir o jingle de campanha do senador Saúva! A propósito, deseja alguma coisa de Brasília?
– Desejo sim, Formiguinha. Se em Brasília encontrar o La Fontaine na Embaixada da França, manda ele pra… Ah! Deixa pra lá!