Eu e a brisa

No lançamento da caixa de DVDs com entrevistas gravadas por Aramis Millarch ao longo de seus 30 anos de carreira, além de apreciarmos o revoar das velhas águias da cultura paranaense, tivemos oportunidade de ouvir poucas e boas histórias acerca do jornalista. A mais hilária foi contada pelo escritor e publicitário Eloi Zanetti.

Caso Aramis Millarch fosse agraciado com o mimo que desde menino pediu a Deus, seria músico de sete instrumentos. Ouvido tinha, porém, os desígnios divinos o levaram a escutar. Escutar e escrever.

E foi de tanto ouvir e escrever que o jornalista de sete instrumentos foi parar no rádio, desafiado pelo publicitário Eloi Zanetti. O convite surgiu num momento difícil para Aramis. Certo dia, passando em frente à primeira sede da Fundação Cultural de Curitiba, na Rua Lysimaco Ferreira da Costa, Zanetti resolveu fazer uma visita informal ao amigo, naqueles tempos em que a formalidade permitia visitas sem hora marcada. Ao entrar na sala entulhada de livros e discos, o visitante encontrou Millarch demissionário do órgão cultural que havia criado.

De inopino, Eloi Zanetti propôs ao desconsolado que recolhia o passado das gavetas:

– Vamos fazer um programa na rádio Ouro Verde. E tenho até o nome: “Domingo sem futebol”.

Até então Eloi Zanetti não tinha pensado na possibilidade e o nome, ele confessa, saiu naquele momento, de puro instinto.

Rudolph Giuliani, que no início desta semana deu palestra na Universidade Positivo, aconselha: “Apenas 1% das situações exigem realmente uma decisão urgente. Para estes casos, use seus instintos”. Instinto e talento são atributos que nunca faltaram a Eloi Zanetti: “Domingo sem futebol” foi o programa campeão de audiência que marcou época nas tardes de domingo em Curitiba, com Aramis Millarch intercalando músicas e depoimentos inéditos de artistas.

Uma dessas entrevistas foi com o cantor e compositor Johnny Alf. Feitas as devidas apresentações, o sonoplasta girou na pick-up:

Ah! se a juventude que esta brisa canta / Ficasse aqui comigo mais um pouco / Eu poderia esquecer a dor / De ser tão só pra ser um sonho / Daí então quem sabe alguém chegasse / Buscando um sonho em forma de desejo / Felicidade então pra nós seria / E, depois que a tarde nos trouxesse a lua / Se o amor chegasse eu não resistiria / E a madrugada acalentaria a nossa paz / Fica, oh brisa, fica, pois talvez quem sabe / O inesperado faça uma surpresa / E traga alguém que queira te escutar / E junto a mim queira ficar.

***

Com o último acorde, a primeira pergunta de Aramis:

– Johnny Alf, em quem você se inspirou para escrever Eu e a brisa?

Homossexual assumido, Alfredo José da Silva (Johnny Alf foi adotado por sugestão de uma amiga norte-americana) não se escondeu no armário para responder:

– Me inspirei num garoto carioca, por quem na época eu estava perdidamente apaixonado.

Uma breve pausa pela sincera revelação e, de repente, ouviram-se alguns palavrões, seguidos de um soco na mesa desferido pelo sonoplasta:

– PQP! (#*#*#) Como é que você me faz uma coisa dessa? O que é que eu vou dizer para a minha mulher? Pois foi bem essa música que escolhi para tocar no meu casamento! E agora você me diz que ela foi feita para o teu namorado? PQP! (#*#*#).

Jonhny Alf não ficou constrangido: Eu e a brisa nasceu justamente para uma cerimônia de casamento, provocando situação igualmente constrangedora. O sonoplasta não sabia, Aramis Millarch ficou sabendo depois, e escreveu em sua coluna: “Para atender ao pedido de um amigo que iria casar-se, Johnny Alf compôs uma música para fundo musical da cerimônia, mas que foi vetada pelo padre. Em 1967, a cantora Márcia o procurou em busca de uma canção para participar do Festival de MPB da Record. A composição inédita ganhou letra e nome e, injustamente desclassificada (que burrada do júri!) no festival, se tornaria depois um clássico, um dos dez mais belos momentos da canção romântica de nossa MPB: Eu e a brisa.