Está faltando ele

Ontem, 21 de junho, lá se foram três anos sem Leonel de Moura Brizola. Estancieiro, criador de gado no Rio Grande do Sul e no Uruguai, o engenheiro saberia explicar, com toda aquela sua ironia, a origem da fortuna bovina do senador Renan Calheiros.

Diria doutor Leonel: ?A rigor… tem batata nessa chaleira. Compreendeu? Tenho cá comigo que o presidente do Senado tá firme que nem prego em polenta?. Depois de um minuto de silêncio para ajeitar o lenço vermelho no pescoço, Brizola faria uma avaliação do caso: ?Com todo o respeito, mas essa amante do senador, mais bonita que laranja de amostra, ficou mais cara que argentina nova na zona. Compreendeu??.

Nova pausa do engenheiro: ?Sei de fonte segura que esse senhor das Alagoas está mais perdido que cebola em salada de frutas. E não me perguntem a fonte porque quem revela fonte é água mineral?.

?O povo – outra pausa para coçar a ponta do queixo -, assistindo de camarote ao que se passa nas alcovas do poder, está mais constrangido que padre num bordel!?.

?Eles que não menosprezem a inteligência dos brasileiros! – voltaria à carga o ex-governador – O eleitorado está mais ligado que celular de preso. E quem sou eu para avaliar o preço de um boi criado nos canaviais de Alagoas? Porém, se está faltando cana e tem alguém chupando melado, algo há?.

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Pela porteira escancarada do Paraná, Leonel de Moura Brizola retornou do exílio no dia 6 de setembro de 1979. Eram 17h20 quando o bimotor prefixo PT-ESO, procedente de Assunção, aterrou em Foz do Iguaçu. Do aeroporto, seguiu para o Hotel das Cataratas. Do lado de fora, agentes do SNI faziam plantão. Na manhã seguinte partiu para São Borja, onde hoje deve estar se revirando no túmulo.

No caminho de volta, depois de São Borja, Brizola passou por Curitiba, e foi jantar no Bar Palácio. Eu estava lá – como já contei nesta coluna no dia 23 de junho de 2004.

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Passava da meia-noite, doutor Leonel chegou ao restaurante com uma diminuta comitiva. Não havia nenhuma mesa vaga. O engenheiro foi recebido com o burburinho, o perfume, a fumaça e a discrição curitibana de sempre: sem qualquer manifestação aparente de apreço. O calor vinha apenas da churrasqueira.

O engenheiro não cumprimentou e não foi cumprimentado, dirigindo-se imediatamente ao balcão, onde pediu um aperitivo enquanto aguardava, cotovelo apoiado na ponta do balcão, observando a grelha ao lado. Bebeu uma, bebeu duas, ele os correligionários beberam várias batidas de limão. Nenhuma mesa se ofereceu, nem mesmo lhe foi ofertada; talvez aqueles discretos presentes estivessem se prolongando no repasto para melhor observar o homem que veio do exílio.

Apenas chegado da redação do jornal, sozinho numa pequena mesa, chamei o garçom Mozart:

– Mozart, sabe quem é aquele senhor que está esperando faz tempo no balcão, de cabelos encaracolados, sobrancelhas grossas, e que não tira o olho da churrasqueira? É Leonel Brizola, e faz um algum tempo que está esperando vagar uma mesa.

– Não me diga… o Brizola? Será que ele gosta de pimenta? Vou servir a especial da casa, que esse homem gosta de coisa forte!

Minutos depois, Jorge, o gerente, providenciou a comprida mesa com dez lugares, à direita de quem entrava no velho Palácio. Bem posto, Brizola experimentou então a pimenta, o churrasco e o mau-humor do falecido Mozart.

Naquela mesa está faltando ele… e no novo Bar Palácio também está faltando aquela mesa.