Escrevinhadores

Mostramos ontem a história curiosa do pedido de casamento por correspondência que um castelhano fez a Odette Bruel, filha de Auguste e Marica Bruel, desfeito pelo mesmo pretendente dois meses em outra carta. Como um caso puxa outro, tenho para contar uma história real que faz lembrar Cyrano de Bergerac.

Para recapitular, o premiado iluminador Beto Bruel levantou a árvore genealógica e histórias da família, a partir do francês Auguste Bruel que, no Brasil, desposou Maria Clara Lesbats Cassou. Duas famílias crescidas a partir de Tamanduá, vizinha a Palmeira, no Paraná, localidade que ainda mantém uma capela no local da original de 1730.

Há pouco tempo, ao lançar meu livro A Banda Polaca em Brusque, Santa Catarina, nos contaram outra história de escrevinhadores que nos trouxe à lembrança Cyrano de Bergerac e Roxanne. O drama histórico baseado na obra de teatro escrita por Edmond Rostand é mais conhecido no cinema: o feio Cyrano amava a bela Roxanne que amava o bonito Christian. Porém, este é tão tímido que não consegue manter uma relação normal com uma mulher. É então que Cyrano ajuda Christian, escrevendo-lhe longas e belas cartas de amor que vão tornar ainda maior a paixão de Roxanne. Só que Christian não resiste por muito tempo esta situação e Roxanne descobre que o autor de tão belas cartas de amor é o narigudo Gérard Depardieu.

Também conhecida pelos locutores de rádio como “Berço da fiação catarinense”, Brusque foi colonizada principalmente por alemães e polacos. Os primeiros trouxeram teares para o Brasil e os segundos entraram com a mão-de-obra, exímios tecelões desde a Polônia.

O poeta curitibano Paulo Leminski tem relação histórica com o grande maestro brusquense Edino Krieger.

Em agosto de 1869, imigrantes polacos desembarcaram no Porto de Itajaí e foram assentados na Colônia Príncipe D. Pedro, proximidades de Brusque. Dois anos depois, por diferenças naturais com botocudos e tedescos, o líder Sebastian Edmund Wos Saporski levantou acampamento e comandou a subida da Serra do Mar rumo ao Pilarzinho.

Dos imigrantes polacos que restaram em Brusque, a cozinheira Irenya amava o tecelão Tadeusz que não sabia escrever. Já com alguns anos de namoro e noivado, a prendada Irenya foi convidada para cozinhar na casa de um rico industrial de São Paulo. Tadeusz, analfabeto em português e em polaco, procurou então um alfaiate português seu amigo para que este lhe escrevesse suas cartas de paixão a Irenya. De lá e cá, a correspondência era mensal, caprichada na caligrafia e nas frases de amor. Até que certo dia, numa das cartas que Tadeusz levou ao escrevinhador, a notícia deixou o alfaiate sem fôlego: Irenya contava ao amado que havia ganhado uma fortuna na Loteria Federal. O português floreou outras juras de amor, mentiu e não revelou ao polaco o principal, a fortuna de Irenya.

Na carta em resposta, o alfaiate foi mais longe e comunicou à cozinheira, em nome do polaco, que um amigo português iria urgente a São Paulo para trazê-la de volta, junto com o prêmio de milhões. Na calada da noite, o escrevinhador arrumou as malas e partiu, sem avisar do destino nem mesmo ao amigo que não sabia escrever nem ler.

O que se passou em São Paulo, só muitos anos depois Tadeusz veio a conhecer: Irenya caiu no verbo do alfaiate, ao saber que aquelas lindas cartas de amor eram do escrevinhador assim galante. O casamento foi no cartório, a longa lua-de-mel em Portugal. A lua-de-mel foi longa mesmo, durou dois anos de abundância. Depois dos fados de Lisboa, os castelos da Áustria, a bênção do papa em Roma e das noites em Paris, o casal retornou a Brusque sem um tostão da Loteria Federal.

Os nomes são fictícios e o final da história precisa ficar assim resumido: com Irenya, o alfaiate reconstruiu a vida ao abrir uma indústria têxtil e o tecelão Tadeusz nunca mais ficou sem trabalho, mesmo não sabendo ler nem escrever.