Estamos vivendo sob o toque de recolher, sem ninguém a nos socorrer no cair da noite. Dizem as pesquisas de opinião, muitos se recolhem ao anoitecer com medo da polícia e a grande maioria da população aponta como Inimigo Público Nº 1 o Bicho Papão.  

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Os sociólogos já estudaram esse maligno Bicho Papão. De minha parte, prefiro aprender com o escritor Eduardo Galeano, quando ele diz que as mais famosas histórias infantis, obras terroristas, também merecem um lugar no arsenal das armas adultas contra as pessoas miúdas. João e Maria avisam que você vai ser abandonado pelos seus pais. Chapeuzinho Vermelho informa que cada desconhecido pode ser o lobo devorador. E a Gata Borralheira obriga você a desconfiar das madrastas e suas filhas.

Contudo, entre todos os personagens, o Bicho Papão é o que com maior eficácia ensinou a obediência e difundiu o medo nas hostes infantis. O Bicho-Papão teve por modelo um ilustre cavalheiro, Gilles de Rais, que havia lutado ao lado de Joana d’Arc. Esse senhor de muitos castelos foi acusado de violar, torturar e matar as crianças errantes que perambulavam pelas suas herdades à procura de pão. Submetido à tortura, Gilles confessou centenas de infanticídios, com detalhados relatos de seus deleites carnais. Acabou na forca.

Em Curitiba, as histórias da carochinha são de deixar os petizes de cabelo em pé, como nos relatam os contadores de histórias das páginas policiais. Mas apesar do Chapeuzinho Vermelho, com suas estatísticas, apontar o Lobo Mau como o principal agente do crime desorganizado, a maioria dos curitibanos não tem nenhuma dúvida: é o Bicho Papão o responsável pela nossa insegurança urbana, a origem do toque de recolher.

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Os costumes mudaram, o ilustre cavalheiro Gilles de Rais acabou na forca e, em época recente, quem comia criancinhas eram os comunistas. Ao Bicho Papão há muito nos rendemos. Hoje, todo cidadão é tratado como criancinha. Ao anoitecer, nossas ruas e avenidas ficam vazias com medo do Bicho Papão e, nesse toque de recolher, nos refugiamos nos automóveis à procura do bom abrigo do shopping. Enquanto os pais, aflitos, imploram aos filhos que saem para as baladas: “Não desliga o celular porque o Bicho Papão vai te comer!”