Era da Dedação

“Diga-me com quem andas e eu te direi quem és”. Ou, numa versão atualizada deste provérbio bíblico que havia perdido sentido, agora podemos dizer: “Diga-me tudo de quem andas e eu não direi quem és”. Se culpado ou inocente, não importa. Importante são as revelações do Dedo Duro, o novo anti-herói da vida pública nacional.

Dedar (verbo tão fora de uso quanto transar, desbancado pelo genérico ficar) é sinônimo de acusar, (in) criminar, delatar, trair, denunciar, entregar e, no caso da nossa brava imprensa, atender os clamores da curiosidade pública.

Dez anos depois, o repórter da Folha de S. Paulo pergunta ao ex-deputado Roberto Jefferson o que ele tem a dizer sobre o Mensalão: “O PT impôs ao país o Padrão FIFA de corrupção!” – responde o aclamado dedo duro.
Qual a maior consequência de sua denúncia ao país?: “Caiu aquele véu que havia sobre o PT, de partido ético, moralista. O PT posava de corregedor moral da pátria!”.

Por que o senhor não aceita ser chamado de delator? “Quando o juiz me propôs delação premiada, respondi: Excelência, delação premiada é conversa de canalha. Quem faz delação premiada é canalha!”.

Canalha ou não, há controvérsias. Graças à lerdeza da Justiça, a canalhice do dedo duro foi alçada ao panteão das virtudes. Com a eficiência de uma guilhotina, a delação premiada tem tudo para ser mais uma das nossas instituições nacionais onde repousam os heróis sem nenhum caráter da cena Brasileira.

“No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite” – assim Mário de Andrade apresenta Macunaíma, o mais autêntico dos nossos anti-heróis. Do fundo dos corredores sombrios e tortuosos dos tribunais, nasceu o agora reverenciado Dedo Duro.

Das relações premiadas surgem as delações premiadas. Tanto na política quanto na economia, nos negócios ou empreendimentos, nos esportes ou nas artes, envolvendo principalmente celebridades permanentes ou instantâneas, estamos vivendo na Era da Dedação.