Como seria uma conversa de botequim entre os moços Dalton Trevisan e Poty Lazzarotto? A curiosidade está respondida na celebrada revista Joaquim, edição n.º 17, de março de 1948. Poty estava retornando de uma temporada de estudos na Europa e Dalton era o editor que, já naquela época, fazia entrevistas com a informalidade do Pasquim. O reencontro daqueles dois bons amigos não está na íntegra, está na medida de uma conversa entre um chope e outro.

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Dalton Trevisan – É bom conversar diante do copo de chope e um prato de azeitonas. Você é um sujeito fechado mesmo. Quando nós, de Curitiba, pensamos em Paris, é com a sensação de quem está perdendo alguma coisa. Você que esteve mais de um ano na Europa, pode nos dizer o que é. Eu sei, claro, o perigo de querer extorquir uma resposta que não há.

Poty – Cheguei lá como todo sujeito, com as idéias de quem nunca saiu de casa e lê telegramas nos jornais e pensa que aquilo existe mesmo nos jornais. Quando desci do ?Desirade? e pisei em terra, a exclamação foi: Puxa, estou na França. Mas era afirmação oca, sem ressonância por dentro. Antes de chegar no Havre, onde desembarquei, eu via do navio, distante da costa, alguns prédios isolados pensando que eram arranha-céus. Quando cheguei perto, vi que eram os únicos edifícios que sobraram dos bombardeios. Foi a primeira reviravolta: em vez de ser o que nascia, era o que tinha sobrevivido. Mas não foi decepção, tudo era novo para mim.

Dalton Trevisan – E, por certo, viu muita coisa nova. Na terra estranha a gente deve parecer um estrangeiro a si mesmo.

Poty – Quando se chega a um lugar desconhecido se repara muito nas coisas. Um companheiro meu notou, quase maravilhado, que ?todos? os franceses tinham os pés grandes. Discutimos se eram os pés que eram grandes ou o volume das meias obrigava o uso de sapatões.

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Dalton Trevisan – Acho difícil imaginar como vive um bolsista brasileiro em Paris. Acho que é por ser difícil imaginar Paris em primeiro lugar.

Poty – Eu, por exemplo, morava num hotel modesto de bairro, comia nos restaurantes do Quartier Latin, visitava os museus, corria as exposições, via o povo nas ruas. À noite, ia nos caveaux, onde se reuniam estudantes, boêmios, pintores, turistas, para cantar e contar anedotas. Ou ia, na falta de outra coisa, passear à margem do Sena.

Dalton Trevisan – Por causa da saudade?

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Poty – Acho que não. A família, os amigos, a gente sempre pensa neles. Mas Paris é uma cidade tão interessante que mesmo não fazendo nada, e só, o camarada está contente da vida.

Dalton Trevisan – E os cafés?

Poty – Nos cafés, a gente sentava, bebia e conversava como em qualquer café do mundo. Só não tomava o café, mistura de chicória e casca de castanhas… Além disso, trabalhava, freqüentei a Escola de Belas Artes de Paris durante o período escolar e depois viajei pela província da França, a Itália, Espanha e Portugal.

Dalton Trevisan – Qual o artista entre todos que mais o impressionou?

Poty – É difícil dizer. Em todo caso, posso avançar de momento os nomes de Modigliani, cujas deformações têm a mesma beleza dos clássicos e Rouault, pela religiosidade. Os modernos italianos são bastante fecundos, embora sem o poder de irradiação que têm os de Paris. É de Paris, eu creio, que sairão as novas expressões de artes. Vamos a outro chope.