Entrevista com o Diabo

A frase é de Guimarães Rosa: “Deus come escondido e o Diabo sai por toda a parte lambendo o prato.” O nosso escritor mineiro só deixou de lembrar que o Baalberith (Arquidemônio da Gula) gosta mesmo é de se lambuzar no prato divino durante o Carnaval. E, de barriga cheia, na Quarta-Feira de Cinzas o Pazuzu (Arquidemônio da Preguiça) sai por aí arrotando o que lambeu.

Por isso que é tão fácil entrevistar o Astaroth (Arquidemônio da Inveja) na Quarta-Feira de Cinzas. Na porta da Catedral, rindo à socapa daqueles arrependidos que saíam da missa com a marca de cinza na testa, o Bestadeu (Arquidemônio dos Ateus) abre a matraca e solta o verbo. Sem medo de ser indiscreto, o Belial (Arquidemônio da Ira) conta por onde andou e o que fez no Carnaval, porque em dias de festas o Adramelech (Arquidemônio da Avareza) não economiza maldades.

O Diabo tem vários nomes e bilhões e bilhões de rostos, mas no Carnaval faz questão de ser tratado por Asmodeus, o Diabo da Luxúria.

Sabe-se que,contrariando a maioria dos foliões, no Carnaval o Mefistófoles não gosta de sair fantasiado de Diabo. Qual a fantasia preferida do Belzebu?

Gosto de sair fantasiado de Deus. Com a Sua voz Toda-Poderosa, costumo sair de casa em casa perguntando aos homens de pouca fé: “Com tanta injustiça neste mundo de Deus, ainda acreditas que sou justo, grande, bom, sábio e misericordioso?”

O que eles respondem?

“Senhor, eu não sou digno que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e minha alma será salva.”

E as pobres almas ainda acreditam nas palavras do Satanás que se faz passar Deus?

Acreditam piamente! Tanto, que ainda aconselho que todos sigam pelos caminhos de Deus: só neste Carnaval, foram 189 os mortos nas rodovias federais.

Ninguém desconfia do Impostor?

Não é de hoje que as criaturas de Deus acreditam em tudo o que veem. É por isso que no inferno costumamos dizer que o melhor dos cegos é aquele que não quer ver. Em 1647, em Nîmes, na França, o doutor Vincent de Paul D’Argent fez o primeiro transplante de córnea em um aldeão chamado Angel. Foi um sucesso da medicina da época. Menos para o aldeão, que assim que passou a enxergar o verdadeiro mundo criado por Deus. Disse que o mundo que ele fantasiava era muito melhor. Horrorizado, Angel pediu ao cirurgião que arrancasse seus olhos e assim entrou para a história como o primeiro cego que não quis ver.

Também contrariando o ditado – antes só do que mal acompanhado -, com quem o Demônio saiu mal acompanhado neste Carnaval?

Com uma linda santinha do pau oco. A Colombina que por fora era uma bela viola e por dentro um pão bolorento.