Digamos, o governador Roberto Requião não é encrenqueiro. Apenas tem o prazer de arrumar encrencas. A última delas é lei de sua lavra lusa que obriga a tradução de palavras estrangeiras. Se essa encrenca tivesse restado no quintal da província, saberíamos arrostá-la, como sempre. Mas (ai de nosotros, Dalton!) a encrenca virou piada nacional.

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A agravante desse último imbróglio (palavra italiana) do jornalista Roberto Requião é que a chacota (cuidado com essa palavra, Solda!) não veio de Millôr Fernandes, Deonísio da Silva, ou do mestre Wilson Martins. Veio de Maílson da Nóbrega, em artigo da revista Veja desta semana. O ex-ministro da Fazenda de José Sarney, que como economista revelou-se um excelente linguista, deitou e rolou com a piada da Assembleia Legislativa do Paraná: “A absorção de palavras estrangeiras é típica das línguas vivas. (…) O uso de estrangeirismo costuma enriquecer o idioma. Amplia o vocabulário. Contribui para simplificar a linguagem. Facilita a comunicação e a exposição de ideias. O inglês é um bom exemplo. Aberto à influência externa, ganhou palavras durante as invasões romana (o nome da capital vem do latim Londinium) e normanda. E importou milhares do idioma de países que dominou e de muitos outros”.

O português muito se beneficiou de vocábulos estrangeiros, lembra Maílson da Nóbrega: o francês nos trouxe ateliê, bufê, cinema, filé, perfume, sutiã. O inglês nos forneceu xampu, futebol, beisebol, voleibol, basquetebol, handebol, golfe, tênis, bife, buldogue, zíper e estresse: “Se houvesse a Lei Requião, como seriam traduzidas a italiana pizza, a árabe esfirra e a espanhola paella?”.

E, se desde o início do século passado houvesse a encrenca de Requião (Maílson não lembrou), não teríamos encrenca.

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A origem da palavra encrenca está no livro Bertha, Sofhia e Rachel (A Sociedade da Verdade e o tráfico das polacas nas Américas), de Isabel Vincent. Quando começou o tráfico de judias polacas da Europa oriental para a América Latina em princípios do século XX, a maioria era enviada para Buenos Aires ao Rio de Janeiro. Aqui, na Zona do Mangue, as doenças venéreas eram muito comuns e devem ter prejudicado em muito as origens da Música Popular Brasileira. Ressabiadas, quando se aproximava um cliente que algumas das polacas já conheciam como portador de sífilis ou gonorréia, elas avisavam umas às outras em yiddish (língua judaico/alemã) e comentavam entre si:

– Ein krenk! (uma doença ou um doente).

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E assim ficou, de gafieira em gafieira: encrenca!

E, ainda, se desde o século XIX houvesse a encrenca de Requião, polaco não seria polonês.

No meu livro A Banda Polaca, o historiador Ulisses Iarochinski diz no prefácio que os estudiosos da etnia apontam que o preconceito contra a palavra “polaco” teria se iniciado na época da importação de prostitutas européias pelo Império Brasileiro. Como naquele momento a maioria das mulheres no Rio de Janeiro era de escravas africanas, o reino queria “branquear” a população. E Iarochinski esclarece que desde o descobrimento do Brasil sempre existiu apenas uma palavra para designar a pessoa nascida na Polônia, ou seja, “polaco”. Foi provavelmente o livro A Polônia na Literatura Brasileira, que introduziu o galicismo “polonês”. Em suas 210 páginas, o livro grafa o termo “polaco” 99 vezes e a forma primitiva de “polonês” (polonez) 45 vezes (às vezes poloneza, outras vezes, polonezes). Percebe-se a clara intenção dos organizadores da obra de impor um novo termo, pois “polonez” só aparece nos títulos de capítulos, intertítulos, índice e legendas de ilustrações. Todos os demais textos, de autoria de diversos autores, escritos entre 1863 e 1926, apresentam somente o termo “polaco”. Grande “ein krenk” arrumou Roberto Requião: por força da lei, todo polonês agora é polaco! E o governador que vá se explicar lá na Barreirinha.