Bóra e Péra são amigos inseparáveis. Inseparáveis pelo copo. ?Bóra!?, diz o primeiro, quando o seu copo de chope esvazia. ?Péra!?, diz o segundo, com o copo de chope ainda pela metade. ?Então vou pedir mais um!?, responde o Péra. Assim, sucessivamente, quando um entorna o copo e diz ?bóra!?, o outro ?péra, que ainda não terminei!?.
Bóra e Péra não são gêmeos, mesmo assim poucos conseguem distinguir um do outro. O mais notável é que eles não conseguem beber um copo de chope sequer na mais perfeita sincronia. A diferença entre o Bóra e o Péra é sempre de meio copo. Para mais, ou para menos, eis a questão: o copo do Péra está meio vazio, ou meio cheio? Na dúvida, Bóra pede mais um.
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Para Bóra e Péra o balcão de um bar é sagrado. De preferência que tenha vista para a paisagem externa.
– Bóra, onde passa um boi passa boiada?
– Por que, Péra?
– Então vem aí uma boiada, porque acabo de ver um boi voador.
– Bóra! Quando a gente começa a ver boi voador, é hora de ir embora!
– Péra que vem aí a boiada!
– Vem do norte ou vem do sul?
– Vem do norte!
– Se é boi voador e vem do norte, não resta a menor dúvida: o ninho deles é nas Alagoas!
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Entre um copo meio cheio e outro meio vazio, Bóra e Péra não saem do boteco nem mesmo quando o garçom começa a levantar as cadeiras.
Dia desses, enquanto o garçom dormitava num canto, Bóra e Péra viram entrar no bar o senador Renan Calheiros, acompanhado do lobista Cláudio Gontijo. Amigo, confidente, fiador, tesoureiro, consultor sentimental e santo protetor do alagoano.
Depois de acordar o garçom com um murro na mesa, Calheiros se acomodou numa das mesas que ainda estavam sem as cadeiras levantadas.
– Garçom, um balde de gelo, uma garrafa de uísque 12 anos e uma garrafa de martini doce! – ordenou o lobista, postado em pé junto ao senador.
Silêncio no recinto, enquanto o garçom providenciava o pedido. Bóra e Péra, surpreendidos com a inusitada freguesia, apenas se entreolharam.
O garçom se aproximou, botou o baldinho de gelo sobre a mesa, voltou ao balcão para buscar o uísque e o martini doce, e trouxe ainda dois copos.
– Eu não bebo, apenas um copo para o senador Calheiros, e dos longos!
Em seguida, o lobista botou três pedras de gelo no copo de Calheiros e serviu duas doses de uísque misturadas com duas doses de martini doce.
Foi surpreendente, o senador arrematou o copo numa virada só. Gontijo voltou a servir o senador: mais três pedras de gelo, duas doses de uísque, duas doses de martini doce. Assim foi, até acabar o gelo, a garrafa de uísque 12 anos e a garrafa de martini doce.
Sempre em pé ao lado do senador, o lobista levantou o dedo e fez o costumeiro sinal para o garçom trazer a conta.
Ao apresentar a despesa para o senador, o lobista arrancou a nota da mão do garçom:
– Eu pago a conta!
Seria desnecessário dizer que o senador Calheiros saiu do bar bem prejudicado. No entanto, estava bem mais que prejudicado, saiu adernando, escorado nos braços do lobista.
O garçom ainda contava o dinheiro vivo, Bóra e Péra, de queixo caído, acompanharam com o canto dos olhos a insólita retirada, com o lobista batendo a porta com uma das pernas.
– Bóra, você já viu coisa mais esquisita na vida?
– Péra, jamais vi coisa igual: uísque com martini doce, nunca!
Balançando a cabeça de um lado para o outro, o garçom concordou.
– Também nunca vi uma coisa dessas, uísque com martini doce!
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– Bóra?
– Péra!