Eis aí, quase verão

Diz a história que quando o homem sentiu a necessidade de marcar o tempo, ele inventou o relógio de sol. Tendo como único referencial para a contagem do tempo a posição do Sol, as localidades ajustavam seus horários considerando como meio-dia o instante em que o Sol estava a pino, produzindo sombra bem embaixo dos objetos.

Era uma anarquia. Cidades vizinhas tinham horários diferentes, o que passou a criar dificuldades crescentes e muitos constrangimentos, principalmente para os amantes que moravam em cidades diferentes.

– Querida, precisamos discutir nossa relação. Você é muito impontual para o meu gosto.

– Concordo. Mas antes precisamos chegar a um acordo: ou o meu, ou o teu relógio de sol?

A Europa era um caos, havia 27 horários diferentes. Na América do Norte, as horas eram contadas localmente de 74 modos, sem contar os ajustes em função das condições ambientais de claridade no céu de cada lugar.

No Brasil, nunca tivemos esses problemas. Desde o descobrimento, nunca cumprimos horários. Pela natureza, somos avessos ao relógio, o reverso da pontualidade britânica. Desde Pedro Álvares Cabral (que na verdade chegou atrasado ao Brasil e botou a culpa nas calmarias), nós, brasileiros, apenas precisamos de relógio de sol para saber se vai ou não vai dar praia. Se o pino do relógio de sol não aponta nenhuma sombra, é sinal de que o tempo sujou, e é melhor ficar em casa jogando baralho.

Curitiba é um Brasil diferente. O curitibano não perde o bonde e sempre se orientou pelo relógio de sol da Farmácia Stellfeld, na Praça Tiradentes, mais pontual que os sinos da Catedral, e só não é mais consultado porque o sol pouco aparece por essas bandas.

Curitiba é uma cidade que não joga o tempo fora, não perde um minuto nem para contar as horas. Apenas contamos as estações, que são quatro: as estações ferroviária e rodoviária, o inverno e o verão. E para saber quando chega o verão e se vai o inverno, basta observar o escritor Wilson Bueno: se ele trajar bermuda e camiseta, é verão! Se estiver encapotado num ?training?, pronto, chegou o inverno!

O Brasil também é diferente. Para o alemão, por exemplo, a maior conquista da humanidade foi a invenção da bomba para tirar chope. Para o brasileiro, nossa maior conquista foi o horário de verão. Assim como as compras e a tensão pré-natalina, o horário de verão é uma invenção americana: a feliz idéia de adiantar os ponteiros, para melhor usufruir da bomba de chope inventada pelos alemães, surgiu pela primeira vez nos Estados Unidos, por volta de 1774, com o fim de aproveitar a luz natural o mais possível durante os dias mais longos do ano. Em inglês a hora especial recebia a denominação de ?daylight saving time?, que nos tempos modernos foi rebatizada de ?happy hour?.

O horário de verão foi instituído pela primeira vez no Brasil no verão de 1931/1932. Até 1967, sua implantação foi feita de forma esporádica e sem nenhum critério, conforme o já famoso jeitinho brasileiro. No verão de 1968, atendendo ao espírito do AI-5 e da ditadura militar, passamos a viver no horário da caserna.

Foram 18 anos sem que o horário de verão fosse instituído. Só voltou a vigorar no verão de 1985/86, com a redemocratização, quando a Nova República resgatou o verdadeiro espírito brasileiro e o chopinho prolongado depois do expediente.