Domingo de abstinência

Num dia qualquer da semana, passando em frente à primeira sede da Fundação Cultural de Curitiba, na Rua Lysimaco Ferreira da Costa, o publicitário Eloi Zanetti resolveu fazer uma visita informal ao amigo Aramis Millarch, naqueles tempos em que a formalidade permitia visitas nos dias úteis sem hora marcada. Ao entrar na sala entulhada de livros e discos, o visitante encontrou Millarch demissionário do órgão cultural que havia criado.

Assim de repente, Zanetti propôs ao desconsolado que recolhia o passado das gavetas:

– Vamos fazer um programa na rádio Ouro Verde. E tenho até o nome: “Domingo sem futebol”.

Até então Eloi Zanetti não tinha pensado na possibilidade e o nome, ele confessa, saiu naquele momento, de puro instinto – como aconselha o Rudolph Giuliani, o ex-prefeito de Nova York : “Apenas 1% das situações exige realmente uma decisão urgente. Para estes casos, use seus instintos”.

Instinto e talento são atributos que nunca faltaram a Eloi Zanetti: “Domingo sem futebol” foi o programa campeão de audiência que marcou época nas tardes de domingo em Curitiba, com Aramis Millarch intercalando músicas e depoimentos inéditos de artistas que passavam por Curitiba.

Uma dessas entrevistas foi com o cantor e compositor Johnny Alf. Um banquinho, um gravador e um violão. Feitas as devidas apresentações, o sonoplasta girou na pick-up:

Ah! se a juventude que esta brisa canta / Ficasse aqui comigo mais um pouco / Eu poderia esquecer a dor / De ser tão só pra ser um sonho / Daí então quem sabe alguém chegasse / Buscando um sonho em forma de desejo / Felicidade então pra nós seria / E , depois que a tarde nos trouxesse a lua / Se o amor chegasse eu não resistiria / E a madrugada acalentaria a nossa paz / Fica, oh brisa fica pois talvez quem sabe / O inesperado faça uma surpresa / E traga alguém que queira te escutar / E junto a mim queira ficar

Com o último acorde, a primeira pergunta de Aramis:

– Johnny Alf, em quem você se inspirou para escrever “Eu e a brisa”?

Homossexual assumido, Alfredo José da Silva (Johnny Alf foi adotado por sugestão de uma amiga norte-americana) não se escondeu no armário para responder:

– Me inspirei num garoto carioca, por quem na época eu estava perdidamente apaixonado.

Uma breve pausa pela sincera revelação e, de repente, ouviram-se alguns palavrões, seguidos de um soco na mesa desferido pelo sonoplasta:

– PQP! (#*#*#) Como é que você me faz uma coisa dessa? O que é que eu vou dizer para a minha mulher? Pois foi bem essa música que escolhi para tocar no meu casamento! E agora você me diz que ela foi feita para o teu namorado? PQP! (#*#*#).

Johnny Alf não ficou constrangido: “Eu e a Brisa” nasceu justamente para uma cerimônia de casamento, provocando situação igualmente constrangedora. O sonoplasta não sabia, Aramis Millarch ficou sabendo depois, e escreveu em sua coluna: “Para atender ao pedido de um amigo que iria casar-se, Johnny Alf compôs a música para fundo musical da cerimônia mas que foi vetada pelo padre”.