Do padre ao empreiteiro

As relações dos brasileiros com vinho – ao contrário dos europeus, que já nascem em fraldas de carvalho – sempre foram de ordem social, pois a nossa iniciação com os brancos ou tintos obedece a uma escala de ascendência econômica: ao rico cabe o garrafão, ao pobre sobra a rolha.

Com exceção dos nascidos de raras cepas, não fomos apresentados ao vinho em casa, no bar ou no restaurante. Foi na missa. O garoto que não se imaginou degustando uma patena de hóstias com o vinho do padre, que atire a primeira pedra no invejado sacristão. Depois da missa de domingo, a macarronada da nona, servida junto ao garrafão do nono – sem faltar o sagu com vinho da sobremesa.

Das parreiras coloniais vieram os primeiros goles de iniciação, com os dentes arroxeados do brinde de estreia: “Vinho bom é aquele com gosto de uva!” – arrematava. Depois dos garrafões guardados a sete chaves no porão, vieram as garrafas da Serra Gaúcha – com um salto de qualidade nas viagens à cidade grande, quando abrimos com os olhos a garrafa de Chianti de palhinha. O famoso “Fiasco Ruffino”. E quem não abriu com os olhos aquela garrafa bojuda, protegida por uma cobertura de palha? “Fiasco” é a palavra italiana de origem, etimologicamente relacionada a frasco. Longe de ser um sinônimo de fracasso, os vinhos sempre foram sinônimos de sucesso.

Do vinho do padre ao vinho do nono, dos garrafões de casa aos garrafões coloniais, da Serra Gaúcha aos vinhos importados foi um longo aprendizado. Sem desprezar certos vinhos da moda que vinham com rótulos tão falsos quanto os uísques paraguaios. O mais famoso deles foi um Liebfraumilch engarrafado no Brasil entre 1970/80, origem da “praga da garrafa azul” que deixou alguns ricos e outros com muita dor de cabeça no dia seguinte.

Dizia o poeta Mario Quintana que, por mais raro que seja, ou mais antigo, só um vinho é excelente: “Aquele que tu bebes, calmamente, com teu mais velho e silencioso amigo”. Assim como os vinhos, os amigos também mudam com o passar do tempo. Uns se avinagram, outros amadurecem e se aperfeiçoam. Como diz o poeta anônimo, com o passar dos vinhos os anos ficam melhores para quem trata de cultivar amigos.

E para os “connoisseurs” que dedicam suas libações com Baco para cultivar poderosos e fechar bons negócios, no cume da escala social nunca houve igual na safra nacional: o vinho de empreiteiro!

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