Muito se diz que hoje já não se faz humor como antigamente. Concordamos em parte. O macaco Simão afirma que “no país da piada pronta” assim perdemos a graça. E os humoristas natos e mal pagos ainda têm a concorrência dos bufões da vida pública, altamente remunerados para fazer da nossa vida um caso de humor negro.

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Usando como exemplo as velhas marchinhas de Carnaval, os revisionistas do humor contemporâneo dizem que a fonte secou. O passado foi tão pródigo que agora as preciosidades estão no fundo do baú, e lá guardamos com carinho os grandes nomes do humor brasileiro. Há controvérsias, mas em respeito aos mestres não vamos discutir. Pois, como dizia Nireu Teixeira, “você quer ser feliz ou quer ter razão?”

Um dos mestres do fundo do baú é Max Nunes, médico carioca que largou a profissão para tratar do fígado através do riso e do samba: é um dos compositores de Bandeira branca. Criador do programa Balança mas não cai, na década de 50, na Rádio Nacional, inventou vários dos sucessos de Jô Soares (Capitão Gay é um deles) e ainda hoje acompanha o Gordo como produtor e redator.

Do fundo do baú, e como se fosse hoje, o Max Nunes de sempre:

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– Opinião é uma coisa que a gente dá e, às vezes, apanha.

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– O eleitor, obrigatoriamente, tem que ser qualificado. O candidato, não.

– Ah, o que seria do governo se o povo pudesse falar pela boca do estômago!

– Já foi o tempo em que a união fazia a força. Hoje a União cobra os impostos e quem faz a força é você.

– Democracia é aquele regime pelo qual qualquer cidadão pode ser presidente da República, menos eu e você, naturalmente.

– A prova de que o balé dá sono na plateia é que os artistas entram sempre na ponta dos pés.

– O caqui não passa de um tomate diabético.

– Quem pede a palavra nem sempre a devolve em condições.

– No nordeste, a seca é tão braba que são as árvores que correm atrás dos cachorros.

– O casamento é o único jogo que acaba mal sem que ninguém ponha a culpa no juiz.

– Os homens casados se dividem em três categorias: os polígamos, os bígamos e os chateados.

– O difícil de confundir alhos com bugalhos é que ninguém sabe o que são bugalhos.

– Duplicata é uma coisa que sempre vence. Nunca empata.

– Há casais que se detestam tanto que não se separam só pra um não dar esse prazer ao outro.

– Quando a mãe informou aos filhos que ia atribuir um prêmio ao mais obediente da casa, todos gritaram ao mesmo tempo: “É o papai!”.

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Quando os revisionistas do humor usam como exemplo as velhas marchinhas de Carnaval (não se fazem mais como antigamente), convém lembrar que muitas coisas perdem o sentido. As letras de velhas canções, por exemplo, como nos lembra José Bonifácio Sobrinho (o Boni) em seu blog: “O mundo vai girando e algumas coisas mais gostosas da nossa vida vão perdendo o significado. Nem todas, é claro, mas algumas. Outro dia fiquei pensando em algumas canções brasileiríssimas, cujas letras não fazem mais o menor sentido”.

Exemplos de Boni, começando com Noel Rosa: “Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa”. (Eu, hein? Só se o boteco estiver vazio). Braguinha: “Nós somos as cantoras do rádio”. (E rádio lá tem cantoras hoje? Só blá-blá-blá e anúncios). Ary Barroso, que fez um verso esquisito para a época: “Ai, esse coqueiro que dá coco”. (E daí ia dar banana? Hoje seria normal. Com os cruzamentos genéticos poderia dar abóbora, por exemplo). Lamartine Babo: “O teu cabelo não nega, mulata”. (Lamartine não teve tempo de conviver com os “shampoos alisantes” e as chapinhas).

Por aí afora, Boni revisa o fundo do baú, concluindo:

– E lembrando o mestre Max Nunes, se você brigar com sua amada e disser “bandeira branca amor, eu peço paz”, ela certamente vai achar você esquizofrênico e vai mandar o amigo fazer o papel do Bruno Gagliasso na novela da Globo.