Na impossibilidade de enviar a cada um dos amigos de leitura o mimo natalino, venho através desta recomendar o livro que gostaria de presentear a todos: O professor e o louco, de Simon Winchester. Uma história de assassinato, mistério e loucura, antes e durante a elaboração do dicionário Oxford, um dos maiores feitos da história da palavra.

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É a saga de William Chester Minor (médico americano de inteligência superior), de James Murray (grande filólogo inglês) e do célebre Oxford english dictionary: 12 volumes que fixaram 414.825 palavras, apresentando 1.827.306 citações de obras clássicas, façanha que demorou 69 anos (de 1878 a 1927) para ser concluída.

É uma história muito louca, para quem é louco por palavras, que começa com uma das mais notáveis conversas da literatura, numa fria e nebulosa tarde de final de inverno de 1896, no vilarejo de Crowthorne. Nesse dia, dr. James Murray viajou 80 quilômetros de trem para conhecer W.C. Minor, que se encontrava entre os mais prolíficos dos milhares de colaboradores voluntários do dicionário que até então era considerado uma missão impossível.

Durante quase vinte anos essas duas sumidades tinham se correspondido regularmente a respeito dos mais refinados aspectos da lexicografia inglesa, mas jamais haviam se encontrado. Minor nunca parecia disposto ou capaz de deixar sua casa em Crowthorne, e nunca se propusera a ir a Oxford. Apesar disso, Murray, que por sua vez não tinha tempo para largar os trabalhos no centro de elaboração do dicionário, há muito tempo cultivava o desejo de conhecer e agradecer o seu misterioso e instigante auxiliar. Em 1890, quando o dicionário já estava na metade, decidiu que iria fazer uma visita ao enigmático parceiro. Da estação ferroviária de Crowthorne em diante, conta Simon Winchester:

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“Depois de uns vinte minutos, a carruagem tomou a direção de um longa alameda margeada de choupos altos, detendo-se afinal diante de uma enorme e um tanto ameaçadora mansão de tijolos vermelhos. Um criado com expressão séria encaminhou o lexicógrafo para o andar superior e conduziu-o a um escritório revestido com estantes de livros, onde, por trás de uma imensa mesa de mogno, ergueu-se um homem de importância indubitável. O dr. Murray fez uma reverência sóbria e lançou-se ao breve discurso de saudação que tanto havia ensaiado:

– Muito boa tarde, senhor. Sou o dr. James Murray, da Sociedade Filológica de Londres e editor do Oxford english dictionary. É na verdade uma honra e um prazer chegar finalmente a conhecê-lo, pois o senhor deve ser gentil, cavalheiro, meu mais assíduo companheiro de trabalho, o dr. W. C. Minor, não?

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Houve uma breve pausa, numa atmosfera de constrangimento mútuo. O tique-taque barulhento de um relógio. Passos abafados no corredor. Um distante tilintar de chaves. E então o homem por trás da escrivaninha pigarreou e por fim disse:

– Lamento dizer, amável senhor, mas não sou eu. As coisas não são, de modo algum, como está imaginando. Sou, na verdade, o diretor do manicômio judiciário Broadmoor. O dr. Minor com toda certeza se encontra aqui. Mas como interno. É paciente há mais de vinte anos. Nosso mais antigo residente.

Nascido no Ceilão, exímio pintor de aquarelas, intelectual e poliglota aos 12 anos de idade, William Chester Minor era médico formado na Universidade de Yale. Depois da Guerra Civil Americana, Minor começou a dar sinais de paranoia e acabou internado num hospital psiquiátrico. Reformado, viajou para a Inglaterra. Vítima de suas paranoias, perseguiu um desconhecido e matou-o com um tiro de pistola, pensando que se tratava de um dos personagens imaginários que o queriam matar. De mente privilegiada e malsã, foi mantido sob custódia permanente de Sua Majestade como “lunático criminoso”.

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Neste Natal, se for preciso optar entre um belo vinho e o Oxford english dictionary, não tenha dúvida: a obra de Simon Winchester é bem mais inebriante.