O jornalista e escritor Aroldo Murá pode ser considerado o papa da imprensa paranaense. E assim é, pois os nossos principais formadores de opinião, se já não passarem pelo seu crivo, ainda lhe pedem a bênção. Presidente do Instituto Ciência e Fé, o professor Aroldo – como é chamado – é uma referência em assuntos religiosos, que pode analisar como poucos a escolha do papa Francisco.

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Em sua última entrevista, o cardeal Carlo Martini, ex-arcebispo de Milão, disse que “a Igreja Católica está cansada” e “200 anos atrasada”. Seria um exagero?

Aroldo Murá: Martini foi respeitável, mas foi ser humano, sujeito a erros de avaliação. Em alguns termos, como o do correto uso dos meios de comunicação, a Igreja está mais que 300 anos defasada. No essencial, não sendo um clube, partido político ou confraria de gourmets, não tem o quê mudar. Se mudar na doutrina, perde a essência, desmente tudo o que tem ensinado em 2 mil anos. Vira uma dessas igrejas da Teologia da Prosperidade. A doutrina está acima de estatísticas: deve ser a mesma do cristianismo das catacumbas, atingindo até poucos, se for o caso. Mas imutável.

– O que significa o Papa Francisco ser o primeiro jesuíta à frente do Vaticano?

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Aroldo Murá: É garantia de que teremos um pastor intelectualmente seguro, solidamente formado. A tropa de Loyola, no entanto, não pode ser vista como um”tanque”. Parte dela vive em gente como Bergoglio, sabe fazer muito bem sínteses. Como, por exemplo, entre o espírito de Francisco de Assis, a fraternidade, e Francisco Xavier, a da evangelização, a da conquista de novas terras, de novas gentes.

O fato de ser latino-americano seria sinal de profundas reformas?

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Aroldo Murá: É sinal de que o colégio de cardeais – homens que têm obrigação de conhecer tudo da instituição que representam – entende que a Igreja deve se voltar para África, Américas, Oriente.  Acho que as reformas da Cúria (administração da Igreja) são inevitáveis, em nome do mínimo de transparência e eficiência administrativas.

Quando se fala em reformas na Igreja, até onde elas podem alcançar?

Aroldo Murá: Nunca atingirão matéria de fé, pois se isso acontecesse, seria o fim da instituição. Reformas poderão mudar aspectos acidentais, como a questão do celibato do clero no Ocidente (matéria puramente disciplinar). Isso apenas para os chamados padres seculares ou diocesanos; os chamados religiosos serão obrigatoriamente celibatários, castos (se espera). Os religiosos são assim, celibatários, em contextos hindus, budistas, foram celibatários entre os essênios… É uma característica da vida
cenobítica.

Perdemos a grande oportunidade de ter um papa brasileiro?

Aroldo Murá: Tenho que acreditar na sabedoria do Colégio Cardinalício, que deve ter agido sob a pedagogia do Espírito Santo. Mas não excluo minha visão meramente jornalística da questão: Dom Odilo Scherer “pecou” ao defender, por exemplo, a gestão do Banco do Vaticano (IOR) e, mais, ao se identificarcom o cardeal Tarcísio Bertone, uma espécie de Fouché da Cúria Romana. Bertone foi um sabotador de Bento XVI, é voz corrente entre os vaticanistas respeitados…