Carlinhos de Oliveira, o mais polêmico cronista da geração dos anos 1960, deixou entre os seus legados das noites cariocas o livro “Diário Selvagem”, onde em cada página cruzamos com uma tormenta e assim vamos perambulando pelos parágrafos, como se o autor estivesse atravessando Ipanema, de bar em bar.

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Estrela de primeira grandeza das páginas nobres do Caderno B, no Jornal do Brasil, Carlinhos morreu de pancreatite crônica. Em fevereiro de 1979, foi a Paris com a intenção de lá trabalhar por seis meses. Levou consigo a máquina de escrever e a recomendação de fazer exames para descobrir a causa exata das dores intermitentes que ele vinha sentindo sem obter nenhum diagnóstico preciso no Brasil, mais por falta de tecnologia que de competência dos médicos. Em Paris foi diagnosticada a pancreatite, já em estágio avançado. Ficou em Paris apenas dois meses. Retornou ao Brasil para concluir a sua obra literária e o diário que começara a escrever em 14 de novembro de 1971. Morreu em 1986, “ferido de morte pela doença, envelhecido, desdentado, maltratado”, para usar de suas próprias palavras.

Com sua linguagem coloquial, sofisticada, com um timbre da mais refinada literatura, Carlinhos de Oliveira fazia a permanente interação entre o cotidiano do jornalista e boêmio profissional e a vida política, social e cultural daquele Brasil brasileiro que acabara de inventar a Bossa Nova. Naqueles efervescentes tempos de Juscelino, Jânio e Jango, o cronista já dizia que brasileiro é um ser lúdico. Um homem que brinca, cordial, que brinca com o coração. Como Macunaíma, é também um herói brincalhão, sem nenhum caráter, exposto a mil e uma metamorfoses.

De tudo isso, porém, Carlinhos ficou com um enigma à sua frente: “Que espécie de animal racional é esse? Seria um quadrúpede degenerado, que teria nascido com dois pés antes de percorrer o caminho evolutivo da espécie? Porque, se há uma coisa que não se pode negar é que o brasileiro se improvisa. O brasileiro não é: ele se faz, mas não se faz em definitivo: ele se experimenta; troca de ideias como as cobras trocam de casca. É um ser experimental”.

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Assim como todo o brasileiro, Carlinhos de Oliveira tinha várias cascas. Numa delas, experimentava o papel de pitonisa ao escrever o diário atual e sempre selvagem:  

“A corrupção da alma alcançou o ponto limite, estamos gangrenados. Pode haver uma sociedade pré-revolucionária e ao mesmo tempo decadente, incluindo na decadência e na degradação as classes pobres? Pode haver, sim. Vivemos nela.” (José Carlos Oliveira)

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