Dia do Bota-fora

Amanhã, quinta-feira, 19 de novembro, é o Dia do Bota-fora para fumantes e não fumantes. Alguns segundos antes da meia-noite de hoje, em todos os botecos de Curitiba vamos fazer a contagem regressiva semelhante à virada de ano novo: …10…9…8…7…6…5…4…3…2… Bota-fora os fumantes! Todos eles na calçada!

Vários botecos da cidade já estão nos preparativos e convocações para o Dia do Bota-fora, quando entra em vigor a Lei Antifumo municipal. No bar Ao Distinto Cavalheiro, por exemplo, os fumantes estão programando uma grande libação etílica, com o objetivo de assinar um tratado de paz entre as duas tribos, com a seguinte premissa: os não-fumantes devem ocupar as mesas; aos fumantes caberão o balcão e a extensão deste, o território livre das calçadas.

Depois do armistício selado, a noite do Bota-fora terá seu momento de pirotecnia, quando as xepas de cigarro disparadas ao alto farão lembrar o foguetório de ano novo.

Uma das boas intenções dos negociadores do Dia do Bota-fora seria fazer com que as partes em conflito fumassem o cachimbo da paz. Infelizmente, nem simbolicamente o ato deve acontecer, tendo em vista os rigores da lei; no entanto, o cachimbo de paz deveria ser o símbolo da convivência pacífica que sempre esperamos de um bom boteco.

Num botequim de fundamento, o contraditório é moeda corrente. Sejam os presentes fumantes ou não-fumantes. Viciados em nicotina ou viciados em monóxido de carbono. Botequim é arquibancada de convivência onde até o solitário coxa-branca pode torcer desbragadamente numa mesa exclusiva de atleticanos. No balcão, a unanimidade não é burra, é profundamente entediante. Como discutir política e futebol se no recinto todos defendem as mesmas ideologias, bandeiras e cores?

Boteco de esquerda ou de direita só é admissível do ponto de vista de quem sobe ou desce a rua. Se de esquina, melhor ainda, acolhe os mais diversos pontos de vista. Se todos falassem a mesma língua não seria um bar, seria um tédio.

Em qualquer boteco do planeta, só os chatos têm uma única linguagem, com vários dialetos: o chatês, o chatíssimo e o chatésimo. Sem esquecer do chatérrimo. Mas, por incrível que pareça, só os chatos não se entendem.

Por isso, no Dia do Bota-fora, apesar dos rigores da lei, precisamos fumar o cachimbo da paz. Cada qual com o seu vício, assumido ou não, e sejamos tolerantes: os não-fumantes em seus devidos lugares à mesa; os fumantes no sereno das calçadas, sujeitos a gripe, resfriado e pneumonia.

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A convivência entre contrários é difícil, mas não impossível. E o melhor exemplo dessa união tem como fronteira um trilho de trem: Porto União e União da Vitória, nas terras do Contestado.

“Que venha a Lei Antifumo”, comemoram os fumantes de União da Vitória, porque naquelas duas cidades gêmeas fumantes e não-fumantes têm na geopolítica o que a intolerância não alcança.

No boteco do Paraná, dois fumantes têm encontro marcado. Depois de dois chopes, o de União da Vitória convida o de Porto União:

– Vamos fumar um cigarro em Santa Catarina?

Convite feito, convite aceito. Andam alguns metros e o território é livre. Simples assim, difícil vai ficar para os donos de bares de Porto União quando a lei discriminatória entrar em vigor em todo o território paranaense. Ainda vai demorar algum tempo para os catarinas pegarem o vírus da Lei Antifumo. Ladinos, os vizinhos devem usufruir dos lucros que a liberalidade pode lhes proporcionar com os turistas fumantes. Aí inclusos os tabagistas de União da Vitória.

Só não se sabe o que pode acontecer com os botecos do lado paranaense, com a lei em vigor. Bem possível que no futuro o turista desprevenido se surpreenda:

– Onde tem um bom boteco aqui em União da Vitória?

– Sinto muito, boteco aqui só atravessando o trilho do trem, Porto União. Aqui temos uma meia dúzia de três ou quatro, mas estão sempre vazios.