Dia da Luz

Neste dia consagrado a Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, o curitibano foi orar à padroeira sem saber direito a qual andor seguir na procissão. Um dos cortejos pode terminar na Igreja do Rosário, outro na Igreja da Ordem e o terceiro na Catedral Basílica Menor da Praça Tiradentes. Isso porque são três as imagens da Virgem da Luz.

Na publicação “Moradas da Senhora da Luz”, o falecido historiador Ruy Wachowicz remetia ao tempo em que a substituta da antiga Matriz estava em construção e a imagem da padroeira “passeou” por outros templos, como a Igreja do Rosário dos Pretos de São Benedito e a da Ordem Terceira.

Três moradas, três imagens que desafiaram a imaginação e o amor à pesquisa dos historiadores locais.

Uma, mais tosca, é do acervo do Museu Paranaense e parece a mais antiga. As outras duas são a que é venerada na Catedral Basílica Menor, templo dedicado à padroeira, e uma do acervo do Museu de Arte Sacra da Arquidiocese de Curitiba, no anexo da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco das Chagas.

A da Catedral pode ser não Nossa Senhora da Luz, mas sim Nossa Senhora do Terço. Mas é a que sai na tradicional procissão de 8 de setembro. E a do Museu é de 1720, segundo testes de Carbono 14 mandados fazer, no último quartel do século XX, pelo historiador Newton Carneiro.

Seria em madeira do Báltico. Ou seja: com certeza absoluta, ninguém sabe, nos nossos dias, qual a imagem que os portugueses introduziram entre nós, junto com o culto à santa.

Uma coisa ou outra, ou outra ainda, o certo é que na primeira fila da procissão, carregando um dos andores, estará o arrependido Rafael Greca de Macedo.

Uma das Senhoras da Luz, a do Báltico, baixará o olhar ao ex-coroinha da Catedral e vai perguntar, em tom de reprimenda:

– Meu filho, e a festa de São Francisco da Ordem? Onde foi parar, porque parou, parou por quê?

Rafael Greca, ao lado de sua Margarita, não ousará responder com uma só palavra, responsável que foi pelo começo, meio e fim da maior festa de largo de Curitiba, graça que até hoje a cidade não esquece.

Nossa Senhora da Luz prosseguirá então com a reprimenda, puxando a orelha do engenheiro:

– Tenho fé que neste outubro São Francisco não seja esquecido. Depois que partiste para outra freguesia, lembras-te?, tornaste-te um ex em quase tudo: ex-vereador, ex-prefeito, ex-deputado, ex-ministro. Serás agora também ex-festeiro e ex-devoto?

Deus nos livre e guarde de suspeitar de qualquer pontinha de ciúme em Nossa Senhora da Luz, no entanto a reprimenda dirigida ao ex quase tudo pode parecer a qualquer fariseu uma sentida frustração da Madona dos Pinhais por nunca ter merecido uma quermesse gigantesca, em sua homenagem. Uma daqueles animadas festas do interior, semelhante àquela dedicada a São Francisco.

Num feriado prolongado como este, festa de interior é bem o caráter dessa quermesse que poderia ser realizada nesta cidade vazia, quando milhares dos infiéis partem serra acima serra abaixo, e deixam a padroeira com poucos devotos a se revezarem no andor.

Daqui a meio século, dirá a lenda que o ex-vereador, ex-prefeito, ex-deputado, ex-ministro e ex-festeiro, depois do puxão de orelha da Madona dos Pinhais, internou-se no spa da Lapinha para purgar os seus pecados. Depois de sete noites e sete dias a pão, água e Bolacha Maria, do purgatório saiu tão magro quanto São Francisco.

Nunca mais o guloso botou os pés no restaurante Île de France, se impôs distância das massas da Mima, das empadinhas do Caruso, da Mercearia Riograndense, ao champanhe decretou tolerância zero e pediu a intercessão de São Gambrinus para que o protegesse da Confeitaria das Famílias.

Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, diante de tamanho suplício, apiedou-se do afilhado que havia abandonado o aprisco. Em generosa contrapartida, concedeu ao ex-coroinha um cálice de vinho Campo Largo ao ano, na sacristia da Catedral, sempre no dia 8 de setembro. O Dia da Luz.