Democracia é uma boa sola de sapato

Há quem diga que os curitibanos se revelam provincianos quando amaldiçoam suas calçadas. Se fossem tão cosmopolitas quanto os paulistas, estariam a amaldiçoar os automóveis sobre as calçadas.

Seja por falta de assunto ou seja lá o que for, o certo é que nós, provincianos, gostamos de andar com os pés no chão. Em todos os sentidos. Ensimesmado, porém humilde, o curitibano é antes de tudo um pedestre que detesta o ar de superioridade dos que entopem as ruas de automóveis. Enquanto caminha chutando latas na Saldanha Marinho, diz às solas dos seus sapatos: “A calçada é do povo, como o céu é do passarinho”.

Assim posto, vale a pena recapitular as lições de Enrique Peñalosa, ex-prefeito de Bogotá, aclamado por ter feito da cidade um modelo de planejamento esclarecido. Do caderninho de Jaime Lerner, Peñalosa tem sido contratado por órgãos oficiais no planejamento de cidades, especialmente na Ásia e nos países em desenvolvimento. Numa entrevista ao jornal “New York Times”, ele explica porque as calçadas seguras são essenciais para a democracia.

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Pergunta: Ao ser chamado para planejar uma cidade, qual a primeira coisa que diz a eles?

Peñalosa: Em cidades de países em desenvolvimento, a maioria das pessoas não tem carro, então eu direi: quando construírem uma boa calçada vocês estarão construindo democracia. A calçada é um símbolo de igualdade.

P: As calçadas não estão no topo da lista de prioridades nos países em desenvolvimento?

Peñalosa: É a última das prioridades. Porque a prioridade é fazer auto-estradas e estradas secundárias. Nós estamos desenhando cidades para carros, carros, carros, carros, carros. Não para pessoas. Carros são uma invenção muito recente. O século 20 foi um retrocesso horrível na evolução do habitat humano. Nós estamos construindo muito mais para a mobilidade dos carros do que para a felicidade das crianças.

P: Mesmo em país onde a maioria da população não tem meios para possuir carros?

Peñalosa: As pessoas de alta renda nos países em desenvolvimento nunca andam. Elas vêem a cidade como um espaço ameaçador, e eles podem passar meses sem andar por um quarteirão.

P: Como prefeito de Bogotá, você exigiu calçadas para pedestres, extinguindo os estacionamentos em calçadas, seu feito mais famoso.

Peñalosa: O mais famoso e o mais controverso. Mas nós começamos por construir ciclovias, e agora cinco por cento da população, mais de trezentos e cinquenta mil pessoas, vão para o trabalho de bicicleta.

P: Porque você acha que perdeu a sua recente candidatura a prefeito no ano passado?

Peñalosa: Eu tive algumas grandes brigas quando eu era prefeito. Eu quase sofri impeachment por ter tirado os carros das calçadas.