Democracia com aspas e sem aspas

“Vote pela mudança!” – “Vou trabalhar pela saúde, segurança e educação” – “Você me conhece e sabe do que sou capaz” – “Quero continuar meu bom trabalho” – “Posso fazer muito mais por você” – “Agradeço a oportunidade de entrar na sua casa e falar para o seu coração” – “Conto com seu apoio para caminharmos juntos rumo à vitória” – “Vote por quem faz e fará muito mais por você” – “Não faço promessas eleitoreiras. Prometo apenas o meu trabalho e dedicação” – “Preciso de seu voto de confiança” – “Você mulher, vamos nos unir nessa batalha!”- “Estou comprometido com as pessoas mais humildes e desprotegidas”.

São dois tipos de discursos políticos: um sem aspas, outro com aspas. Tem a sincera proposta de um candidato, que dispensa aspas; e tem o falso discurso de campanha de um hipócrita: “Sou diferente dos outros candidatos”, com aspas, que vem com o carimbo da hipocrisia. Ou o veneno da ironia.

Aspas não são apenas sinais que abrem e fecham a citação. Tem outros significados: no linguajar gaúcho, “bater aspas”, quer dizer bater a orelha. Como expressão popular “fincar as aspas” é o mesmo que cair de cabeça para baixo. E “fincar as aspas no inferno” é o mesmo que desejar a morte à pessoa indesejável. Ou invejada. Em tempos risonhos e francos, as pessoas tinham inveja. Pura e simplesmente inveja. Com o advento do Facebook, agora surgiu não se sabe de onde a “inveja branca”. Com aspas.

Aspas para Aldous Huxley: “Posso simpatizar com a dor de uma pessoa, mas não com os seus prazeres. Há algo curiosamente monótono na felicidade dos outros”.

Todo marido traído tem aspas. Quem bebe socialmente não usa aspas para reconhecer que é alcoólatra. O padre que nos perdoe, “até que a morte os separe”, só com aspas. Sem aspas, o futebol perde a sua graça: “Vamos continuar trabalhando forte”, diz o desolado lateral; o beque fez “o que o professor mandou”, o goleiro acha que o “futebol é assim mesmo e vamos levantar a cabeça”; o esforçado atacante “não estava numa fase boa”; e o técnico “continua prestigiado”.

Fim de tarde, ele liga para casa: “Vou passar no bar da esquina para tomar um chopinho e logo estou em casa”. Com aspas, ela acredita: “Que bom, logo hoje que fiz aquela sopinha de ervilhas!”. Na boate de luz vermelha, o galã de meia idade exige: “Serve dois uísques do bom!”. O garçom levanta uma das sobrancelhas e pergunta: “Do bom com aspas ou sem aspas?”.

Aspas para George Bernard Shaw: “O castigo do mentiroso não é que deixam de acreditar nele, mas
que ele passa a não acreditar em ninguém”.

Para quem chegou ao fim de tantas aspas, um bom fim de semana. Sem aspas. Se já decidiu em que vai votar, vote com a sua consciência. Se vai deixar para escolher em quem votar na boca da urna, “boa sorte!”. Com aspas.