De pedir silêncio

(Diário de Roma)

Na porta de entrada do restaurante Da Enzo, no bairro boêmio do Trastevere, tem uma discreta placa pedindo aos clientes o favor de falar em voz baixa (certamente um sacrifício para brasileiros e italianos), para não incomodar os vizinhos de quarteirão. No Harry’s Bar de Roma, paira na atmosfera o mesmo aviso, sugerindo que ninguém incomode seus célebres clientes que já não brilham mais naquelas mesas. Nem mesmo no balcão, onde o barman poderia sacar uma lista de celebridades e seus drinques favoritos. 

Hemingway seria o primeiro da lista. Pedia sempre o seu o coquetel pelo apelido de Montgomery. O garçom, que sabiamente decifrava o código, preparava então um Dry Martini com gin e vermute, nas mesmas proporções usadas pelo general Montgomery no campo de batalha da Segunda Guerra Mundial: 15 soldados para cada inimigo.

Fundado em Veneza em 1931, numa surpreendente sociedade entre o cliente americano Harry Pickering e o garçom italiano Giuseppe Cipriani, uma das melhores histórias do Harry’s Bar veio de Veneza, junto com a invenção do “carpaccio”, as fatias finíssimas de carne crua. Certa vez seis clientes italianos pediram Dry Martini por engano – queriam Martini, o vermute – e gostaram. Gostaram tanto da novidade que voltaram meia hora depois, ainda alegres. Pediram outra meia dúzia de Dry Martini. Quando Cipriani serviu a terceira rodada, viu que nas costas de cada um havia um papel afixado com a seguinte inscrição: “Devo voltar a Mantova. Se alguém me encontrar, leve-me à Piazzale Roma às 6,30 horas.”

Seja em Roma, Paris ou Veneza – os três endereços do Harry´s Bar na Europa – uma das grandes invenções de Cipriani foi o coquetel Bellini, em homenagem ao pintor homônimo. Surgido em 1948, a mistura de uma parte de polpa de pêssego com três de espumante italiano é de beber em respeitoso silêncio. Assim como o Dry Martini e o Garibaldi da foto.