O “Fim da História”, teoria iniciada no século 19 por Friedrich Hegel e retomada pelo intelectual nipo-americano Francis Fukuyama no verão de 1989, durou tanto quanto a música de sucesso daquela temporada no Brasil: “Adocica meu amor, adocica!”.

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Enquanto o compositor Beto Barbosa entrava na história da MPB como coadjuvante num escroto comercial de cerveja, a revista norte-americana “National Interest” publicava o ensaio teórico de Fukuyama cujo título estava destinado a animar a praia de muita gente: “The End of History?” — o declínio dos regimes comunistas, o fim da Guerra Fria e das contestações intelectuais, com o triunfo do sistema liberal ocidental.

Em 1968, exacerbaram-se as velhas rixas entre a esquerda e a direita. A moçada de Paris jogou um balde de água gelada na cabeça dos habitués do Café de La Paix e os muros da cidade amanheceram falando alto: “Quanto mais amor faço, maisvontade tenho de fazer a revolução. Quanto mais revolução faço, maior vontade tenho de fazer amor”.

Em 1990 o Muro de Berlim levou para o bebeleu o que restava de comunistas letrados no Café de La Paix e, nos bares de Ipanema, a esquerda festiva aderiu à mesa dos ecologistas. Os socialistas foram às ruas protestar contra a globalização e um dos últimos comunistas de carteirinha foi visto dando mamadeira para o mico-leão-dourado.

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Com a virada do século, das novas questões que animaram o verão a mais interessante migrou das mesas dos bares para as mesas dos restaurantes, segundo a qual o sonho acabou e agora o que importa é discutir a receita: a massa deve ser feita segundo a receita da vovó ou a receita da embalagem industrial?

No Café de La Paix, onde antes discutiam Jean-Paul Sartre e Albert Camus, restaram à mesa os dois próceres da gastronomia: de um lado o espanhol Ferrán Adriá, o expoente da cozinha molecular cuja alquimia inovou a cozinha mundial com espumas, gelatinas quentes e molhos encapsulados em esferas — além de um microscópio eletrônico para provar o tempero.

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Do outro lado da mesa, o americano Michael Pollan, o guerrilheiro da luta à comida industrializada, com a bandeira da comida de verdade, a denunciar o curioso paradoxo: “Justamente no momento da história em que os americanos estavam abandonando a cozinha e delegando à indústria de alimentos o preparo da maior parte das refeições, começamos a passar o tempo pensando sobre comida e assistindo as outras pessoas cozinharem na TV”.

Numa era em que os cozinheiros profissionais se tornaram celebridades mais amadas que os líderes políticos, diria hoje o poeta W.D. Auden na epígrafe do livro “Bar Don Juan”, de Antônio Callado: “Quando o processo histórico se interrompe, quando a necessidade se associa ao horror e a liberdade ao tédio, a hora é boa para se abrir um… restaurante!”.