Se existe alguém na América Latina com autoridade para escrever sobre a mumificação de caudilhos é o autor de “Cem anos de solidão”. Muito antes de Hugo Chávez ser mumificado, em 1982 o prêmio Nobel de Literatura escreveu um artigo intitulado “El destino de los embalsamados”, onde conta que por duas vezes viu de perto duas múmias da esquerda socialista em exibição na Praça Vermelha de Moscou, em 1957 e 1979:

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“Nas duas únicas ocasiões tive a impressão de que o corpo de Lenin estava feito de sua matéria natural. A primeira vez, o corpo de Lenin jazia em sua urna de cristal, à direita do corpo de Stalin, que ainda então se considerava digno daquela glória de formol. Lenin havia morrido 33 anos antes e Stalin, apenas quatro, e a diferença se notava. Deste último, o que mais me chamou atenção foram suas mãos delgadas e sensíveis que pareciam de mulher”.

Além de conhecer as múmias do Oriente, Gabriel García Márquez (amigo íntimo de Fidel Castro) nos dá uma aula de mumificação na América Latina: “O general Antônio López de Santa Ana, que governou o México várias vezes desde 1833, perdeu a perna direita na guerra contra os invasores franceses e a enterrou na catedral, sob o pálio do bispo e com todas as honras militares e religiosas, em um dos funerais babilônicos presididos por ele mesmo. Mais tarde, o general Alvaro Obregón perdeu o braço esquerdo por uma bala de canhão que Pancho Villa lhe disparou na batalha de Celaya, e sua mão ainda se conserva na Cidade do México, queimada por formol, em um monumento público, que por razões inescrutáveis se converteu em um lugar de peregrinação dos jovens apaixonados. O caso mais estranho do nosso tempo é o do cadáver de Evita Perón, que desapareceu em Buenos Aires depois de embalsamado e reapareceu muitos anos depois na Itália, sob a responsabilidade do Vaticano”.

Gabriel García Márquez lembra ainda de um menino de Montevidéu, cobaia do mesmo maluco que mumificou Evita, que havia morrido aos sete anos, e cujos pais o fizeram embalsamar sentado em uma cadeirinha e vestido de marinheiro: “Todos os anos, durante muitos, seus irmãos celebraram seu aniversário com o que foram amigos, até que todos cresceram, se casaram e tiveram outros filhos para embalsamar, e o pobre menino embalsamado, na sua cadeirinha de madeira e com seu vestido de marinheiro, ficou à mercê das traças e esquecido em um guarda-roupas de quarto”.

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Lenin, Stalin, Evita Perón, Pancho Villa e outros mais, seria Curitiba o destino desses embalsamados? A múmia de Hugo Chávez, montada num cavalinho de pau, foi vista no cortejo de milhares de mortos-vivos em marcha cívica pelo centro de Curitiba, na “Zombie Walk”. Para o próximo Carnaval os Zumbis Mensaleiros, com a múmia do Zé Dirceu sendo carregada num andor, já confirmaram presença.