Curitiba, além da imaginação

Não é segredo para os curitibanos de quatros costados que essa Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais é provida de uma “Máquina do Tempo”. Pode parecer que Alice mora aqui, na cidade das maravilhas, ou então que Júlio Verne mora no sótão do Ippuc, mas a verdade verdadeira é que, em qualquer paragem de Curitiba, basta estalar o dedo e somos transportados para além da imaginação. Da Sociedade Garibaldi podemos nos deslocar aos arredores de Milão, no século 19. Do Clube Concórdia nos remetemos à Baviera, frente a um copo de chope e um prato de chucrute com vina. Num outros estalar de dedos, o falecido (e insubstituível) jornalista Aramis Millarch pode nos acompanhar ao “Baile dos Enxutos”, da Sociedade Beneficente Protetora dos Operários, numa segunda-feira do Carnaval de 1975. Ao lado do presidente do Ópera-Rio, como o clube era chamado, o presidente “Tatu” (Edgar Antunes da Silva) nos receberia para uma noitada que Aramis iria descrever na coluna Tabloide de quarta-feira de cinzas:

“Mais de duas mil pessoas enfrentaram o calor, os empurrões e a falta de conforto para assistir a 33 travestis, a maioria deles ostentando uma plástica de fazer inveja a muitas mulheres em sumárias tangas, com muitas plumas e paetês, desfilando num espetáculo entre o folclórico e o “mondo-cane” carnavalesco, aplaudido por muitos nomes conhecidos da alta sociedade.  Liderando um grupo ricamente fantasiado, o famoso Ney Azambuja Souza, pulou até os últimos acordes, tendo em sua côrte, maquiadores e costureiros da moda: Carlinhos Nunes, Magôva, Lu, Fred, etc. O arquiteto Abrão Aniz Assad, diretor do Centro de Criatividade de Curitiba, democraticamente caiu no samba, enquanto um pouco desanimado, o elogiado artista plástico Carlos Eduardo Zimmermann limitava-se a apreciar a festa, que classificou de “sensacional”. Dona Juril de Plácido e Silva Carnascialli, colunista social da “Gazeta do Povo” liderava, no balcão, um familiar grupo de filha, sobrinhas e genros, inclusive o arquiteto Sérgio Todeschini Alves, diretor do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico da SEC. Aliás, o secretário Cândido Manoel Martins de Oliveira, da Educação e Cultura, também foi assistir à festa. À certa altura da madrugada, alguns homens do numeroso contingente da Polícia Militar que garantia a paz e o amor do baile, tiveram que organizar a fila da toilette das senhoras, tal o número de usuários que se formou. E a fila ganhou a entrada dos salões. Os travestis preferiram sumárias tangas mas alguns ostentavam bonitas fantasias. Foi o caso de uma Carmem Miranda muito colorida, que quase não pôde desfilar tal a altura do adereço de cabeça, com turbantes e plumas, etc. Um desconsolado travesti loiro, em longo esvoaçante branco, chamado ao palco três vezes aos gritos de “Já ganhou” não foi classificado no desfile de fantasias, mas ganhou, como Prêmio de Consolação, a faixa de Rainha do Carnaval. Em tudo isso apenas a solitária voz de dom Pedro Fedalto, vigilante arcebispo metropolitano, deu o contra. Escrevendo na “Voz do Paraná”, domingo de Carnaval, Sua Excelência Reverendíssima deplorou o baile e lamentou a vizinhança do Paço Episcopal, cujos floridos jardins divisam com o alegre clube. Desde 1955, afinal de contas, os nossos arcebispos não podem fazer seus retiros carnavalescos em casa, tal a animação do Ópera-Rio”.

******

Curitiba, além da imaginação, em alguns aspectos mudou muito. A começar pelo arcebispo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna