Acepipe de boteco é um tema dos mais convidativos. Mas antes de tudo peço escusas ao paladar mais sensível, caso a pauta do dia lhe aborreça o estômago: “Testículos de touro”, opíparo tira-gosto encontradiço em poucos bares de Curitiba.

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Não por falta de assunto, muito menos para estragar o hapy hour da senhorita, trago à mesa este acepipe de origem espanhola, por supuesto: conta-se que na bodega “”El Meson”, em Sevilha, certo dia Ernest Hemingway se deparou com o novo prato, e o curioso pediu para experimentar.

Hemingway gostou tanto que no outro dia trouxe um amigo para provar a nova “tapa espanhola”.

– Cozidos e inteiros, señor?

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– Si! Con muy pimienta, gracias!

Quando bodeguero serviu a “tapa”, Hemingway ficou com “aquilo roxo”. Ao verificar o pequeno tamanho dos que estavam no prato, Hem desatou a reclamar. Ante os protestos, o garçom respondeu:

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– Senõr, às vezes é o toureiro que perde!

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No Paraná, testículos de touro vêm à mesa desde quando se amarrava cachorro com linguiça. Ao pesquisar para o livro que estou alinhavando (“Serra Acima Serra Abaixo”), encontrei na obra do historiador José Carlos Veiga Lopes (“História da Fazenda Santa Rita”) o relato dos hábitos alimentares no dia-a-dia dos Campos Gerais:

“O café era a bebida matinal, tomado com leite da própria fazenda, acompanhado de pão assado em forno de alvenaria, onde era feito fogo até ficar bem aquecido e depois varrido, o bafo fazia o serviço; quando não havia pão eram feitos bolinhos de graxa, uma massa mole de farinha de trigo e ovos, fritos na banha de porco; havia também virado de feijão preto e farinha de milho branco. Para o almoço o básico era o feijão preto e arroz branco, sempre feitos na banha de porco, acompanhados, conforme o dia, de ovos, couve-verde, frango assado, linguiça, charque, bento-ruivo (farofa de ovos feita com farinha de milho branco), quibebe e outros. Também eram feitos queijos na fazenda, o comum, em formas e o de porungo, de leite cozido, tradicional no município de Palmeira. Sempre havia porco no chiqueiro para a engorda, para feitio da banha, torresmo, linguiça e carne defumada, e da barrigada era feito sabão com soda cáustica. O chimarrão era de uso habitual, havendo uma denominada casa do fogo, que cheirava a picumã, onde os camaradas se reuniam para tomá-lo. Às vezes havia churrasco de boi ou carneiro, sempre temperados apenas na salmoura e usados espetos de guamirim. A sobremesa dos peões era geralmente uma xícara grande de café preto, enquanto na sede tomava-se leite com farinha de milho branco e pessegada, ou moranga (abóbora) com leite. Quando as refeições dos camaradas estavam prontas, a cozinheira batia com um ferro num pedaço de trilho chamando-os para comer. Quando quebrava alguma criação era feito charque, salgado em um concho chamado salgueiro e seco ao sol; como à época os couros tinham valor, sempre que morria algum bovino eles eram tirados e salgados. Costume comum no inverno era as sapecadas de pinhão. Nas castrações eram feitos bolinhos de bagos de boi, quando eram aferventados, moídos e misturados com farinha de trigo, ovos de galinha e cheiro-verde e fritos na banha.”

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Alguns preferem aquilo frito com farinha e ovos, outros preferem aquilo cozido. Para os espanhóis, esta é a receita afrodisíaca para duas pessoas: meio quilo de rabo de touro, dois testículos de touro, uma cebola grande, três dentes de alho, dois tomates bem maduros, duas cenouras, uma pitada de açafrão, um dedo de vinagre, um copo de vinho branco seco, sal e pimenta.

Depois de cozinhar por três horas, sirva com batatas salteadas ou apenas pão escuro com manteiga. Bastante cebola, mais as especiarias, o vinho tinto e o vinagre são “elementos fulcrais na confecção deste opíparo prato”, ressalta a receita original. Além, é claro, de um estômago tolerante.