Corpo sano, mente sana e bons negócios

Houve um tempo em que o importante era competir, não vencer – como pregava o Barão de Coupertin. Houve um tempo em que a palavra de ordem dizia que o importante era vencer – custe o que custar, dizia Adolf Hitler nas Olimpíadas de Berlim, em 1936.

Assim que terminou a II Guerra Mundial, em dezembro de 1945 o escritor George Orwell analisou o futebol naqueles dias de pós-guerra, espantado em ouvir dizer que o esporte criava boa vontade entre nações. Com o título de “O espírito esportivo”, no artigo ele achava que se as pessoas comuns do mundo pudessem se encontrar num jogo de futebol, não teriam nenhuma inclinação para se encontrar no campo de batalha.

Vendo que naquela época jogava-se para ganhar, e o jogo fazia pouco sentido se todos não fizessem o máximo para vencer, o escritor que antevia o indivíduo num mundo crescentemente massificado (“1984” e “A revolução dos bichos”) achava que até no futebol o espírito de luta tinha vencido o espírito esportivo:

“Se quiséssemos aumentar o vasto fundo de má vontade existente no mundo neste momento, dificilmente poderíamos fazer melhor do que promover uma série de jogos de futebol entre judeus e árabes, alemães e tchecos, indianos e britânicos, russos e poloneses, e italianos e iugoslavos, em que cada jogo seria assistido por mais uma plateia mista de 100 mil espectadores. É claro que não estou sugerindo que o esporte é uma das principais causas da rivalidade internacional; penso que o esporte em grande escala é apenas mais um efeito das causas que produziram o nacionalismo. Ainda assim, tornamos as coisas piores por mandar um time de onze homens, rotulados de campeões nacionais, lutar contra um time rival e deixar que todos os envolvidos sintam que a nação que for derrotada vai perder a dignidade”.

Setenta e dois anos depois, contando com a queda do Muro de Berlim, estamos assistindo, no leste europeu, jogos entre nações sendo transmitidos para milhões de espectadores, tendo como cenário a Polônia e a Ucrânia, dois dos países que mais sofreram na história da humanidade. Nesta Eurocopa, desde já a vitória é da União Europeia, mesmo com o euro fazendo feio nas bilheterias. No entanto, os grandes vencedores não vestem a camisa de ninguém, apenas vendem suas camisas. Com todo o respeito ao Barão de Coupertin, o importante não é competir, o fundamental é faturar.

Para nossa sorte, pelo menos no esporte as piores premonições de George Orwell não se concretizaram. No entanto, neste admirável mundo novo poderia ser dele a nova inscrição junto aos louros da vitória: “Corpo sano, mente sana e bons negócios”.