Contenda internacional

Da Argentina não recebemos apenas frente fria e turistas arrogantes. Um argentino em férias no Brasil, “solito”, é uma moça de fino trato. Quase sempre nossos vizinhos de cerca confirmam a imagem que temos de Buenos Aires, uma cidade civilizada e, sobretudo, cheia de livrarias . Não obstante, quando os arrogantes botam o pé em águas brasileiras, em dupla, em trinca ou em bando, ou eles estão brigando, vão brigar ou estão descansando de alguma refrega.

Pode parecer inveja, despeito, até implicância, mas observe um argentino na praia jogando frescobol, por exemplo. Pléc! daqui, pléc! dali, a bolinha corre longe dali. Solícito, o passante apanha a pelota que veio ao seu encontro e, muito gentilmente, devolve ao argentino. O portenho agradece: “Muchas gracias!”. O nativo responde: “Pois não!”.

Troca de bolas, troca de gentilezas, mas não é o que parece: seja no país onde se estiver, a regra de boas maneiras é clara: forasteiro agradece na língua nativa (Thanks!; grazie!; danke!; merci!), obrigado é uma palavrinha curta, fácil de memorizar em qualquer língua, um passaporte de boas maneiras que abre qualquer porta.

Nossos nacionais, antes tão subservientes, agora tratam los hermanos no olho por olho, dente por dente. Bateu, levou. Num verão desses, cartazes anunciavam “un gran espetaculo” de box internacional no ginásio de esportes de Balneário Camboriú, entre Brasil e Argentina. Foi um tremendo fracasso de público. Dias antes, entretanto, cinco argentinos destrataram uma senhora que atendia num quiosque de praia, quando ela se recusou a receber a conta com uma nota de 100 pesos para descontar as despesas e devolver o troco em reais. Como se quiosque de praia fosse uma casa de câmbio beneficente.

A senhora do quiosque, ao contrário do que os beligerantes esperavam, não estava indefesa. Com um simples telefonema pediu ajuda aos universitários: os filhos e os amigos dos filhos. Deu-se então, em plena praia, e “de grátis”, o que todos esperavam acontecer no ginásio de esportes, aquele fracassado box internacional entre Brasil e Argentina.

A pancadaria começou na praia, passou o calçadão, invadiu a Avenida Atlêntica e foi parar na delegacia. Os policiais, advertidos de que o entrevero teve seu início com os gringos xingando Pelé de “macaco”, foram de uma neutralidade exemplar: liberaram os brasileiros e botaram os argentinos no xilindró. Pelo troco de 100 pesos, os pupilos de Maradona pagaram uma fiança de dois mil reais. Per capita, por supuesto.