Conselhos do Bom Velhinho

Há três dias recebi um recado de Papai Noel: “Filho, compre o livro A bola de neve, biografia de Warren Buffett, o biliardário investidor americano. Depois me conte o que você achou do presente”. Passei na livraria e não resisti à chegada do Natal. Desembrulhei o presente e já estou na página 180.

Como apenas me sobra dinheiro para investir em ações da Souza Cruz (um maço por dia), achei muito estranho Papai Noel me aconselhar a ler a biografia de um homem de negócios que vislumbra fortunas, enquanto a maioria se esconde nas cavernas da depressão. O Bom Velhinho é um sábio: nestes dias de crises e marolas, as 960 páginas escritas por Alice Schroeder são satisfação garantida, ou pegue seu dinheiro de volta e aplique na bolsa. Caso o leitor não tenha tempo, nestas festas, para atravessar o catatau, paciência, as primeiras 35 páginas valem a pena.

Sun Valey, Idaho, julho de 1990: Warren Buffett desembarca de seu jato Gulfstrean IV (branco, reluzente, do tamanho de um avião de passageiro de porte médio e a maior aeronave particular do mundo em 1999) para um piquenique de milionários no Sun Valey. Serão cinco dias de debates e seminários, com respectivas famílias, entremeados por atividades recreativas ao ar livre no mais lendário resort das montanhas, onde Ernest Hemingway começou a escrever Por quem os sinos dobram.

Esse disputado convescote anual é definido por Buffett como um encontro de elefantes: “Sempre que um bando de figurões se reúne, é fácil atrair as pessoas, pois elas ficam tranqüilas em saber que, se estão presentes num encontro de elefantes, devem ser elefantes também”. Entre os “elefantes” presentes, Candice Bergen, Tom Hanks, Sidney Pollack, etc., etc., etc. e os titãs da tecnologia, Steve Jacobs, Andy Grover e Bill Gates, o amigo particular de Buffett.

1999. Naquele ano, à medida que o champanhe corria solto, ouvia-se o burburinho de uma nova língua: internet, largura de banda, banda larga, com o arrogante sotaque dos magnatas da tecnologia.

Só que, no final do piquenique, Buffett iria falar. Logo ele, “o crítico do mercado dominado por investimentos impulsivos e baseados em iniciativas de marketing, que vinha fazendo as ações das empresas de tecnologia dispararem para alturas delirantes, ao longo daquele ano”.

Warren Buffett pensou e disse: “A história dos negócios estava repleta de novas tecnologias: as estradas de ferro, o telégrafo, o telefone, o automóvel, o avião. Todas essas inovações foram maneiras revolucionárias de interligar as coisas com mais rapidez. No entanto, quantas delas haviam tornado os investidores mais ricos?”.

Como um regente de orquestra, Buffett mostrou que, embora as inovações tecnológicas pudessem tirar o mundo da pobreza, a história nos dizia que as pessoas que investiram nelas não costumavam ficar felizes depois, e puxou uma lista de 70 páginas de companhias automobilísticas dos Estados Unidos: daquelas duas mil companhias originais, apenas três sobreviveram.

Buffett apertou um botão e, no slide, estava escrito: População eqüestre dos EUA. 1900/17 milhões. 1998/ 5 milhões. E completou: “Francamente, fico um pouco desapontado por minha família não ter investido em cavalos ao longo desse período. Sempre vai ter gente que sai perdendo”.

Gênios que traziam o fogo aos reles mortais, os Prometeus da tecnologia começaram a entender que muitos investidores estavam prestes a se ferrar. E a grande maioria se ferrou com a bolha.

Então o Bom Velhinho de Wall Street, que de menino atravessou a Grande Depressão, mostrou um outro slide com o Índice Dow Jones de 1964 (874,12) a 1981 (875,00), praticamente estável, para comparar como a cotação da bolsa em 1999 tinha ultrapassado astronomicamente o crescimento da economia. Isso significava, segundo Buffett, que os 17 anos seguintes talvez não fossem tão melhores do que aquele longo período de 1964 a 1981.

1999 + 17 anos: 2016. O resto vou ler na praia, faltam ainda 780 páginas do Bom Velhinho.