Confissões de um desertor

Ernani Buchmann (foto) parou de beber. A notícia se reveste de importância porque é mais um dos amigos de Paulo Leminski que pede a saideira e, depois de pagar uma conta pendurada de décadas, se justifica com o garçom: antes tarde do que nunca!

Se Leminski não deixou uma escola literária, deixou uma escola anti-alcoólica. Dos amigos mais próximos do poeta, o cartunista Solda foi o primeiro a parar de beber. Depois veio o escritor Wilson Bueno, seguido do jornalista Jaime Lechinski; e agora o notável publicitário e escritor Ernani Buchmann.

O ex-presidente do Paraná Clube abandonou as libações etílicas com uma exposição de motivos que pode servir de incentivo para aqueles que também pretendem encerrar a conta do boteco.

É o que segue abaixo.

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Bebi por um tempo que posso calcular em 40 anos. Quatro décadas de convivência alcoólica, nem sempre bebendo cerveja. Essa foi minha companheira, digamos, por 35 anos. Então, aos cálculos. Nos últimos tempos eu tomava três latas por dia, não mais. Digamos que tenha sido essa a medida média ingerida durante 35 anos de dedicação. Vezes 365 dias por ano, fora os bissextos. Pasmemos: o total chega a quase 40 mil latas. Quantas cervejas cabem num caminhão desses cheios de engradados, meu ébrio amigo? Não deve ser tanto.

Mas a cerveja não foi minha única paixão fermentada.

O vinho teve espaço no generoso fígado que me habita. Bebi em média quatro garrafas por semana, talvez cinco, durante aqueles anos em que abdiquei da cerveja, além de muitas outras noites em que meu saber interno exigia. Concluo que, se a mesquinharia tivesse vencido a sede, hoje eu seria dono de uma adega de quatro mil garrafas.

Faria inveja a um Barão de Rothschild, quem sabe.

Meu avô foi cultor da boa cachaça nacional, hábito que passou ao seu neto mais velho, o sóbrio autor destas linhas. Não se trata de pinga, coisa diferente da pura cachaça envelhecida. É incomparável seu valor, como bem sabem os brasileiros, a começar por nosso mandatário. Então, vamos supor que eu tenha consumido, a pretexto de abrir os trabalhos, uma garrafa de boa cachaça por semana, 52 por ano. Quase duas mil ampolas ao longo dos 35 anos em que encarei, depois, algumas cervejas.

Eis aí, portanto, a avaliação do ingerido, a partir do dia em que parei de beber whisky, hábito que apreciei por quase 10 anos. Vou evitar o balanço do líquido escocês, porque depois da quinta dose sempre me atrapalhei com cálculos envolvendo milhares.

Tudo isso sem jamais beber antes do anoitecer, em dias de semana.

Encerrado o ciclo, portanto. Entre ganhos e perdas, acho que a guerra terminou empatada. O álcool venceu algumas batalhas, inflingindo diversos vexames ao oponente, como os tombos, as quebras de copos e garrafas, as discussões bizantinas, as dores de cabeça, as ressacas morais, vergonhas que jamais esquecerei. Na conta das minhas vitórias, arrolo a maior de todas.

A sobrevivência. Não sei se voltaremos a nos encontrar. Saí do relacionamento sem mágoas, afogadas que foram todas. Por enquanto, entrego aos milhões de pinguços nacionais a sede que já me assolou e que, como dizia o grande Luiz Fernando Arzua, nos fazia diferentes dos mortais comuns. Enquanto eles bebem uma dose, nós sempre pretendemos beber o estoque.