Como pode um peixe vivo

Foi bonita a tertúlia palaciana. Sob os auspícios da Companhia Vale do Rio Doce, da mineradora australiana BHP Billiton, dos ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia, a presidente Dilma Rousseff se engalanou para a entrega da Ordem do Mérito Cultural.

Cerca de 400 pessoas compareceram à “soirée” cívico-literária que custou ao Ministério da Cultura R$ 1,1 milhão entre passagens e cachês. Com 34 homenageados (29 pessoas e 5 entidades), a plateia de artistas simpatizantes ao governo assistiu a projeções de poesias nas vidraças do salão principal do Palácio do Planalto, sem nenhuma imagem das montanhas de Minas Gerais.

Enquanto Andrew Mackenzie – presidente da mineradora BHP Billitone, sócia da Vale do Rio Doce na mineradora Samarco – desembarcava em Mariana para acompanhar “in loco” o mar de lama brasileiro, Dilma mimou os presentes com dez minutos do seu já conhecido falatório, sem ao menos lembrar num lacônico parágrafo das vítimas da tragédia mineira: “Nós, brasileiros e brasileiras, vivemos sem dúvida um momento especial. Estamos diante da tarefa de continuar trilhando o caminho da democracia, o caminho da tolerância, do respeito às diferenças, da convivência democrática e solidária. Vocês, agraciados pela Ordem do Mérito Cultural, são fundamentais para o sucesso dessa tarefa”.

Apesar dos brasileiros e brasileiras estarem vivendo um “momento especial” com as consequências da catástrofe causada por omissão da Vale do Rio Doce, da BHP Billiton, dos ministérios do Meio Ambiente e das Minas e Energia, o poeta concretista Augusto de Campos – uma das principais estrelas da tertúlia chapa branca – disse que estava fazendo um “gesto cívico de solidariedade” à presidente Dilma, sem ao menos concretizar um verso em solidariedade às famílias que se arrastam na lama em busca de seus mortos.

Depois de encerrar o espetáculo criado pela atriz e diretora Bia Lessa, Caetano Veloso tirou Daniela Mercury para dançar, com o povo flagelado cantando lá fora a modinha de Dilma Rousseff:

Como pode um peixe vivo / Viver nessa lama fria / Como pode um peixe vivo / Viver com essa gente tão fria / E é por isso que eu reclamo / Essa tua companhia / Como poderei viver / Como poderei viver / Com a tua, com a tua / Com a tua companhia.

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