Como nasce uma cidade

Dia 14 de dezembro o município de Toledo comemora 56 anos de fundação. Naquele dezembro de 1952, enquanto homens e mulheres abriam picadas na floresta, Paris assistia ao casamento de Brigitte Bardot com Roger Vadim. E, chegados do Rio de Janeiro, dois famosos escritores testemunhavam a colocação da pedra fundamental de Toledo.

Como tantas cidades do Paraná, Toledo é uma formosa senhora de meia-idade. No oeste paranaense, a região pertencia à Província del Guairá. Esta colonização espanhola foi estabelecida após o Tratado de Tordesilhas (1494), quando a Espanha criou o Vice-Reinado do Prata, que abrangia o Uruguai, a Argentina, uma parte do Peru e da Bolívia, com capital em Assunção (Paraguai). Na área oriental do Rio Paraná criou-se a Província de Vera e nela estabeleceram-se as Reduções Jesuíticas.

Daí em diante, pelo caminho do Peabiru muito a história caminhou. Até chegar ao Arroio Toledo o primeiro caminhão, trazendo na carroceria uma gente de nome estranho: Lorandi, Scain, Gobbi, Cambruzzi, Drago, Molon, Spacin e Bohne. Varando aquela estrada antes só conhecida por espanhóis e índios, chegou mais um caminhão de gente, outro ainda, e um deles voltou para buscar um padre para rezar a primeira missa. No aguardo do caminhão, ninguém foi trabalhar na roça, todos esperavam ansiosos pela vinda do “el prete”, como os colonos de origem italiana o chamavam. O padre Antônio Patui, sacudindo dentro da cabine do caminhão, finalmente desembarcou na clareira do acampamento. E viveu para contar: “Quando o caminhão parou, eu me assustei. Um bando de homens barbudos, com roupas rasgadas, trazendo na cintura compridos facões, alguns andavam com revólver. Cercaram o caminhão gritando coisas que eu não entendia. Eu tinha certeza que havia caído na emboscada de um bando de salteadores que iam pedir algum resgate.

O chofer ao meu lado me empurrava para eu sair. Mas eu meio me segurava. Daí aos poucos eu fui entendendo que estavam gritando El prete, viva
el prete, viva el prete! Mesmo assim, meio desconfiado, fui descendo devagarinho. Descobri, depois, que aqueles sorrisos eram de alegria sincera e que essa gente estava sentindo, naquele momento, uma grande emoção. Mas, para mim, foi um pavoroso susto. Eram todos amigos. E como eram amigos!”
No dia 30 de julho de 1946 foi celebrada a primeira missa, junto à margem esquerda do Arroio Toledo. E realizou-se também uma novena à luz
de fogueiras para ouvir as confissões.

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Brigitte Bardot estreou no cinema aos 17 anos, em 1952. No mesmo ano, após dois anos de namoro à revelia dos pais, casou-se com Roger Vadim.
Em seu segundo filme, suas cenas de biquíni fizeram com que seu pai recorresse à Justiça para impedir, sem sucesso, que as cenas fossem levadas ao cinema.

Em 1952, o governador do Paraná era Bento Munhoz da Rocha Neto. Professor, escritor, Bento estava no Rio de Janeiro quando reencontrou amigos também intelectuais. Uns mais velhos, outros mais novos. Entre eles, dois jovens escritores: Fernando Sabino e Millôr Fernandes. Na praia de Ipanema,
Bento fez um convite aos dois:
– Vocês querem ver como nasce uma cidade?

Fernando Sabino e Millôr Fernandes embarcaram no mesmo dia para Curitiba, num avião DC-3, e aqui conheceram o Centro Cívico ainda uma idéia no meio do mato. No dia 14 de dezembro de 1952 a comitiva aterrissou em Toledo, numa pista de pouso feita a machado. No berçário, Toledo comemorou com foguetório a pedra fundamental que Bento Munhoz da Rocha ajeitou na terra fértil e os dois jovens escritores assinaram o livro de fundação.

Fernando Sabino morreu, sem esquecer aquele dia. Millôr Fernandes ainda está vivo, mais que vivo, brilhante como sempre. Os dois nunca voltaram ao novo município.

Mestre que viu nascer uma cidade, Millôr Fernandes deveria ser convidado para um aniversário de Toledo. Antes que a cidade complete 100 anos.