O publicitário contava de sua vivência profissional em Brasília. Episódio dos mais sórdidos aconteceu quando sua agência disputava a conta publicitária de um ministério. No vale-tudo da licitação, um contato da agência revelou o segredo da vitória líquida e certa: “Minha irmã dorme com o ministro!”.

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Num outro episódio, o publicitário estava mergulhado na criação de uma campanha publicitária para uma grande estatal, e eis que a secretária anunciou a visita do representante de uma pequena gráfica de Taguatinga, cidade-satélite de Brasília. Mesmo atarefado, o publicitário largou o computador para atender ao humilde vendedor, que foi muito bem recebido e até saiu com um trabalho embaixo do braço. Tomou até cafezinho.

Dois anos depois, o publicitário foi fazer uma visita de apresentação à nova diretora da poderosa estatal. Enquanto aguardava ser recebido da sala da presidência, a recepcionista chamou o publicitário para lhe comunicar que o diretor de comunicação da estatal gostaria imensamente de falar com ele, lhe oferecer um cafezinho.

Com muito prazer. O publicitário entrou na sala do novo diretor, já entronado numa cadeira de desenho moderno, e cumprimentou o rapaz produzido de Armani, com uma cara que não lhe era estranha.

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– Meu caro, quanto prazer revê-lo! Você não lembra, é claro: eu sou aquele representante da gráfica de Taguatinga que você tão bem recebeu na sua agência, há dois anos. Quero lhe retribuir o café e tudo o mais que precisar aqui no governo.

Em Brasília, adverte o publicitário, trate com mimos e gentilezas até o mais coitado dos mendigos. Nunca ofereça uma esmola abaixo de cinco reais. Onde tudo é possível, o mendigo de hoje pode ser o ministro de amanhã.

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Tendo a capital da República como alvo principal, alguém precisa escrever um livro de autoajuda com o título de Como fazer amigos e corromper pessoas. Ou, Manual prático de sobrevivência no poder. Só não vai vender mais que Paulo Coelho, tanto na Praça dos Três Poderes quanto nos arredores do Palácio Iguaçu.

Valendo como ensaio, o primeiro tópico teria que ensinar a fazer amigos, como lidar com o próximo mais próximo.

Amigos: é uma segunda vida, ou uma melhora de vida. Para um amigo, todos os amigos são honestos, bons, bonitos e sábios. Cá entre nós, acima de qualquer suspeita. Entre eles, tudo acaba bem. Você vale tanto quanto os outros o querem e, para que o queiram, deve ganhar-lhes o coração através do bolso. Nada conquista tanto como servir aos outros, e a melhor maneira de ganhar amigos é agir como muy amigo. O máximo e o melhor que temos depende dos outros. Deve-se viver ou com amigos, ou com inimigos. Não há uma terceira hipótese. Procure ganhar um amigo a cada dia, senão como íntimo, ao menos como comparsa. Escolha bem e sobrarão alguns para dividir o butim.

Política: antes ser louco acompanhado de muitos do que sensato sozinho. É preciso seguir os passos e memorizar os ensinamentos dos mestres da política. Eles bebem na fonte da sobrevivência. Se todos são loucos, não haverá prejuízo. E se você for o único sensato e sozinho, irão tomá-lo por louco. O importante é, pois, seguir a corrente. A maior sabedoria é declarar não saber ou fingir não saber. Temos de conviver com os outros, e a maioria é ignorante. Para viver só, é preciso ter muito de Deus ou tudo de besta.

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Como fazer amigos e corromper pessoas é uma obra de autoajuda que pode ser concluída em poucos dias, considerando-se que os dois tópicos acima foram livremente adaptados do livro A arte da prudência, escrito há mais de três séculos pelo jesuíta espanhol Baltasar Gracián. Nascido em 1601, o primeiro livro de Gracián foi El heroe, ao qual se seguiram El político e El discreto. Herói, político e discreto: numa só pessoa, seria um milagre da natureza.